Clube de Compras Dallas
Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013), de Jean-Marc Vallée
Jean-Marc Vallée volta a realizar um filme que merece consideração, ainda que não esteja muito nítido se, além do interesse que desperta, Clube de Compras Dallas é de fato bom. Tem o mérito de tocar num tema espinhoso (AIDS) sem ser sórdido e não se furta em criticar nem a indústria farmacêutica nem o governo americano (e a gente sabe o que acontece toda vez que o Estado baixa a guarda para os interesses dos “homens de negócio” – ver mais em Robocop, o original, não o de Padilha). Também conta com atores dispostos ao risco da fragilidade física para viver um personagem, o que é sempre comovente. Mas tudo isso é suficiente para colocar Clube de Compras Dallas um degrau acima?
Vejamos: um homem homofóbico tem de conviver forçosamente com um homossexual e, no caminho, torna-se menos escroto. Já vimos esse filme antes e ele se chama Filadélfia, com a diferença que Jonathan Demme tenta trabalhar na modulação do melodrama (há uma história de amor como subplot) e preconceito, enquanto Vallée foca na luta de um indivíduo contra o mundo, motivado menos pela nobreza estóica e mais por uma energia reativa.
Também dá para encaixar Clube de Compras Dallas na categoria do filme de aprendizado: todos os personagens se tornam seres humanos melhores. Ron Woodroof (Matthew McConaughey) aprende a ser menos homofóbico, na linha “abra a sua mente, gay também é gente”; Rayon (Jared Leto) se desarma do cinismo e reaprende a confiar em alguém; Eve (Jennifer Garner) vai da crença ao questionamento profundo ao seu papel como médica, culminando no plano da quebra da parede.
Replicar estruturas narrativas consolidadas não é necessariamente o problema. A limitação desse filme está em como muitas das sequências chegam sempre como passagens pelas quais o filme obrigatoriamente teria de trafegar, não como representações dramáticas que provoquem uma experiência estética e afetiva. Como se antes de sentirmos a força de uma cena viesse antes a sensação de “ah, essa cena significa x ou y no conjunto do filme”. Exemplo: o aperto de mão entre Ron e Rayon. A beleza que ali poderia estar contida fica em segundo plano na necessidade de realçar que o homofóbico aprendeu olhar o outro, enquanto o gay baixou a guarda do medo da ameaça.
É possível fazer, ao mesmo tempo, as pontuações necessárias para manter o conjunto do filme de pé e ainda assim entregar cenas que se sustentem além dessa função de muleta. Quando Baby descobre que Max comprou as fitas do porteiro para ocultar o homocídio culposo em É Proibido Fumar é um desses momentos.
O próprio Vallée, que dentro do panorama do cinema quebecois contemporâneo com circulação internacional tem uma das obras mais moderadas, já conseguiu isso. Quando Zach dubla e dança Space Odity no seu quarto para, em seguida, descobrir que está sendo ridicularizado por quem o assiste na rua, é uma cena tanto necessária para apontar o desenvolvimento do personagem (cada tentativa sua de saída do casulo é respondida com repressão e culpa) quanto tem força poética em C.R.A.Z.Y..
Com Clube de Compras Dallas isso não ocorre. Talvez porque Vallée esteja se tornando sóbrio demais ou porque o próprio roteiro não tenha permitido muito além de cenas ilustrativas que carregam a responsabilidade de sempre definir algo da totalidade do universo que o filme aborda. Legal que possamos ver o FDA – equivalente a Anvisa dos americanos – contra a parede. Sim, eles grosseiramente retardaram a chegada e regularização de novas drogas no combate a AIDS, cenário que tanto o livro O Prazer com Risco de Vida (1987) quanto seu desdobramento audiovisual, E a Vida Continua (1991), esmiuçaram.
Sim, Matthew McConaughey emagreceu deveras e tem sua assustadora magreza explorada com parcimônia por Vallée. Ainda assim, falta a Clube de Compra Dallas uma preocupação menos episódica e mais da ordem da experiência cinematográfica.
Heitor Augusto
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