Fruitvale Station
Fruitvale Station: A Última Parada (2013), de Ryan Coogler
Numa de suas várias performances brilhantes, Chris Rock, esse monstro da comédia stand-up cujo talento só pode ser comparado com Louis C.K. e Dave Chapelle, ensina os negros a não levar um esculacho da polícia. Das várias lições do “vídeo educacional” How to not get your ass kicked by the police destacam-se: desliga esse rap no som do carro e descole um amigo branco para lhe acompanhar, pois “um amigo branco pode ser a diferença entre uma simples multa ou uma bala na cabeça”.
Essa é a tragédia da piada: ela é tanto hilária quanto um retrato profundamente verdadeiro dos pesos e medidas de repressão contra o negro.
Chegamos, pois, à morte de Oscar Grant III, jovem de 22 anos assassinado pela polícia metroviária em Oakland, Califórnia, na noite do ano novo de 2009. Após uma briga num dos vagões, Oscar e mais oito amigos foram imobilizados na plataforma. Oscar, com as mãos e pernas presas, rosto prensado contra o chão e desarmado, levou um tiro à queima-roupa nas costas. O disparo foi feito por um policial. O assassinato foi registrado em inúmeros vídeos de celulares postados no YouTube.
Como fazer um filme sobre um episódio largamente registrado em vídeo? Qual o tom a adotar num caso de tamanha violência? Como estabelecer um compromisso ético e estético com uma história que envolve tantas vidas? Depois de refletir sobre essas questões, como conseguir ainda assim fazer cinema?
Fruitvale Station: A Última Parada é um filme com tantas responsabilidades nas costas que até surpreende que ele seja bom. Ainda mais por ser um exemplar do “cinema independente americano”, esse misto de modo de produção com escolhas estéticas que já pariu filmes duvidáveis como O Inverno da Alma, Pequena Miss Sunshine, Os Descendentes e por aí vai.
Ao obstáculo de contar uma história da qual já se sabe o desfecho, o filme responde com aquilo que o jornalismo não mais sabe dar: observar calmamente o passado de uma pessoa. Ao desafio do tom a adotar, Fruitvale Station responde com equilíbrio: longe da adesão irrestrita à fotografia “vamos-balançar-a-câmera-porque-a-vida-é-dura”, comum a filmes e séries americanas que se passam em periferias. Seu trabalho de câmera é equilibrado: ora gruda em seus personagens, ora se distancia para permitir um olhar para o todo. Os planos da partida do trem (fixo) ou de Oscar com a filha nas costas (na mão) ilustram a prudência da direção.
Ryan Coogler, diretor estreante, oferece um dos poucos exemplos dignos do cinema recente que se diz realista. Consegue entregar tanto um filme com nobreza de intenções quanto um bom filme, capaz de se sustentar sem se apoiar apenas na importância do resgate da história de Oscar.
Heitor Augusto
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