Tocados pela graça
Tocados pela graça
Ontem (sexta 31) não foi só a 17ª edição da Mostra de Tiradentes que se justificou plenamente. Foi todo um calendário de festivais que agora é afetado pelas palavras certeiras de Luiz Rosemberg Filho e Andrea Tonacci no debate da tarde. Fomos tocados pela graça no encontro entre os dois grandes cineastas. E encontro foi justamente uma palavra que usei em dois textos desta cobertura. São os encontros que podem transformar o mundo do cinema hoje, que podem vencer os percalços da burocracia e dos editais.
O primeiro encontro do dia já sinalizava um bom astral (me perdoem pelo tom hippie). Foi com Toti Loureiro, diretor de O Sol Pode Cegar, curta presente na Mostra Formação. Ele me perguntou o que eu tinha achado do filme. Como é de hábito, destilei a pura verdade do que tinha sentido, e apontei as falhas que vi no curta, falhas que, claramente, refletem a maneira como eu vejo e sinto cinema. E o que falei pareceu fazer bem a ele. Essa é a maior recompensa do crítico. Às vezes conseguimos acessar exatamente nossa sensação, e as palavras saem de modo a fazer com que o diretor iniciante as compreenda e possa crescer com isso, dentro de seu próprio caminho cinematográfico e pessoal. A meu ver, um encontro como esse, que envolve a possibilidade de crescimento dos envolvidos (minha, por elaborar de forma oral um ataque contundente mas construtivo ao filme; dele, por ouvir algo sincero sobre o filme que realizou) justifica uma Mostra, mais até do que encontrar grandes filmes.
Mas foi realmente o debate entre Rosemberg e Tonacci que completou esta edição. Foram suas palavras que transformaram os presentes e jogaram as setas que podem indicar um novo caminho. Ou melhor, poderiam, se houvesse mais realizadores do que os dedos de uma mão pudessem contar. Rosemberg como um tanque de guerra, vociferando contra um estado de coisas e o que ele chamou de três heranças da ditadura militar: as majors e suas exigências, a burocracia e a televisão. Tonacci, entre outras coisas, dizendo que não sabe o que é o filme, e que é o filme que vai dizer o que ele é. De todo modo, as palavras foram gravadas. Devem ser transcritas e publicadas, pois são verdadeiras aulas de vida, para quem queira ou não fazer cinema.
Sérgio Alpendre
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Alguns trechos extraídos do Facebook de Marcelo Miranda:
Luiz Rosemberg Filho:
"A linguagem é o nascimento do saber, é o nexo entre a ideia e o fazer. O meu filme 'Linguagem' é este processo. Meus filmes nascem aos poucos. Consegui não ser o que o cinema sempre quer que você seja."
"Meus filmes dependem muito da montagem. Eu considero hoje a montagem criativa uma segunda direção, na qual você também participa. Montador não é um mecânico que cumpre uma função, não é o cara que bota a roda no seu carro."
"Quem financia os filmes hoje quer espetáculo, mas será que espetáculo é isso aí que a gente vê? Querem 'Crô'? Se for, estamos mal."
Andrea Tonacci:
"Hoje eu confesso que não sei mais o que é processo de criação. Quando mais novo eu tinha a pretensão de ter um método. Comecei fazendo fotografia e câmera e não tinha clareza do processo de cinema até começar a montar."
"Comecei junto com o Rogério (Sganzerla) e devo a ele a compreensão, de fato, do que é cinema. Foi nas nossas conversas, nossos encontros, que aprendi isso tudo. O Rossellini fez os filmes dele, mas qual era a frase dele? 'A profissão, no mundo, é ser homem'."
"Cinema, no meu entender, é uma técnica mecânica criada pelo homem para representar alguma coisa que é ou externa ou interior, ou a relação, alguma coisa. Não consigo ver método nesse processo. Se tiver que falar de método, é mais: como eu faço para entrar nesse estado de percepção e sensibilidade para poder trabalhar?"
"Meu cinema hoje é realizado com a minha paciência, com o esvaziamento total da intenção, com a capacidade de perceber coisas."
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