Os filmes atrapalham a festa (e quem não gosta de reclamações que vá plantar batatas)
Os filmes atrapalham a festa (e quem não gosta de reclamações que vá plantar batatas)
Está cada vez mais corriqueiro em festivais, e Tiradentes não foge à regra: equipes imensas são chamadas ao palco na apresentação dos filmes. Dá a impressão de que se alguém não for chamado é porque não fez parte da filmagem, ou não é querido pelo diretor, ou pisou na bola em algum momento. O fato é que em praticamente todas as sessões o palco se enche de gente. Tem até o veterinário que trata do cachorro da continuísta, se bobear. Isso acontece porque quase todas as sessões tem ao menos um filme mineiro, e aí a equipe chega em peso, muitas vezes por conta própria, para participar da festa. Nada errado com isso, aliás. Nos outros festivais ocorre a mesma coisa com produções locais.
Infelizmente, os filmes atrapalham um pouco essa celebração toda. Não para eles, claro, pois estão ali também para prolongar o divertimento que tiveram durante a filmagem, e é bem natural que seja assim. Mas deveria existir alguma limitação imposta pela organização. Fica meio ridículo o palco cheio de gente. Os filmes atrapalham porque é inevitável constatar que a principal mostra de curtas de Tiradentes deu chabu. Treze filmes, alguns até interessantes, mas nenhum que se destaque da média, nenhum que represente, em qualidade artística, a potência que temos visto em vários filmes traduzida em ereção do membro masculino.
Passeamos por questões urgentes do país, pela especulação imobiliária movida por uma urbanização exagerada dos grandes centros, por intimidades de personagens introspectivos, reminiscências diversas, dilemas de adolescentes, por devaneios e ilusões, desilusões amorosas e rompantes de sexo animal, por personagens perdidos se masturbando em cena, desnudando-se física e corajosamente diante das lentes. No lado formal, zooms e efeitos de estilo, truques narrativos que repetem os já tentados por outros diretores, planos estáticos, correções de enquadramentos, câmeras baixas, uma diversidade de estilos que pode sugerir algo positivo, mas nada que indique algum talento, ou mesmo a confirmação de promessas de edições passadas.
Aí vemos tanta gente no palco, muitos amigos e conhecidos, torcemos para que eles tenham acertado a mão, e o resultado final nos desce amargo como comida requentada. O que aconteceu? Por que a Mostra Foco, que sempre reservou algumas surpresas, neste ano foi só decepção?
Posso arriscar que os concorrentes estejam guiados pela necessidade de curadorias específicas, ou pela vontade de passar em Tiradentes, ou por uma cinefilia ainda imberbe e tateante. Ou ainda que os elogios da crítica nos últimos anos deixaram os diretores mais assíduos preguiçosos, levianos, ou descuidados com alguns procedimentos de seus filmes, e que os novatos estejam repetindo estratégias narrativas ou estéticas já consagradas em anos anteriores. Talvez nós, críticos, também tenhamos sido levianos ou preguiçosos, voltando a uma preocupação que externei no primeiro texto desta cobertura. Pode ser que estejamos vivendo uma entressafra. Mas é necessário ligar o sinal de alerta. Se em anos passados fiquei animado com a qualidade e a possibilidade de surpresa contidas em alguns curtas, neste ano o que sobra é o enfado, a frustração e o cansaço que já nos chega ao final do primeiro curta, pois este termina normalmente já com quase uma hora de sessão, devido ao atraso inexplicável de sempre.
É algo a ser pensado. Melhor parar de uma vez com a festa e chamar menos gente ao palco. Melhor atentar para a palavra “cinema” do que para a palavra “mostra” (que é melhor que “festival”, mas que ainda assim, pela simples associação, também remete a festa). Temos promessas, sim. Temos possibilidades de bom cinema no futuro. Mas se depender de Tiradentes em 2014, a impressão é de que andamos alguns passos para trás. O que, por outro lado, pode ser bom.
P.S.: amigos aqui dizendo que o "vá plantar batatas" do título está pesado. Depois sou eu o mal-humorado.
Sérgio Alpendre
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