17ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Começando os trabalhos
Há muitos anos penso que um festival, qualquer que seja, serve muito mais para revisões do que para descobertas. Claro que é possível descobrir alguma pérola no festival, mas é preciso confirmar se é realmente uma pérola, se é realmente especial. Porque ao assistir a um filme pela primeira vez dentro de um festival podemos ludibriar nossa percepção por variados motivos. O mais forte talvez seja o clima de confraternização e reencontros, aliado ao grande número de filmes ruins. De tanto ver porcarias, o que se mostra um tanto mais palatável parece-nos verdadeiramente forte, quando revisões futuras tendem a demonstrar que de forte eles não tinham nada. Os exemplos recentes de filmes supervalorizados pela crítica (e por mim mesmo) são inúmeros: O Som ao Redor, Tatuagem, O Que Se Move, A Cidade é Uma Só?, Estrada para Ythaca, O Céu Sobre os Ombros e até mesmo O Grão, que de todos é o que mais se distancia de uma unanimidade, revelaram-se filmes de momentos fortes, que no balanço geral, e só assim, podem até ser considerados bons, mas não merecedores da estatura conferida a eles. Do outro lado, os filmes verdadeiramente bons podem nos escapar, ao menos em determinados valores ou na intensidade. Foi o caso, comigo, de Cleópatra e A Erva do Rato, vistos em festivais diferentes, mas em situações muito parecidas.
Dito isso, creio justificar dessa forma minha opção por cobrir festivais em formato diários. A única opção que considero digna, no meu caso e da maneira como recebo os filmes. Não desprezo quem faça a cobertura filme a filme (a maior parte dos jornalistas). Apenas considero essa maneira a mais passível de comportar equívocos. Se não temos condições de formular verdadeiros tratados sobre um longa visto em festival, temos de nos contentar com impressões superficiais dos filmes, o que pode, evidentemente, dizer um pouco de nós também, como efeito colateral. Essas impressões podem surgir como um esboço de pensamento sobre cinema, dada a vantagem de se ver um punhado de filmes escolhidos por uma curadoria específica. Podem, também, ser somente superficiais e reveladoras da pessoa que escreveu mesmo. Não vejo problema nisso, aliás. Cobertura de festival, a meu ver, pode conter exposição do crítico, de seus métodos, suas birras, suas idiossincrasias. Por outro lado, penso que não pode conter formulações que se mostram como definitivas, caráter comum às críticas. Melhor nesse caso a suspeita, o laboratório de ideias. E por um outro lado ainda, apenas dois filmes, entre os sete ou oito que vi, me inspiram revisão nesta edição de Mostra. Um deles eu já perdi, era o baiano Depois da Chuva, de Claudio Marques e Marília Hughes. O outro verei no último dia: Já Visto Jamais Visto, de Andrea Tonacci. É o provável melhor filme do festival neste ano. Mas vou adorar queimar a língua e encontrar um melhor.
Complementando e abrindo, assim, o formato diário desta cobertura, é necessário dizer que meu primeiro dia foi nulo. Quatro curtas fracos na sessão Panorama: Em Trânsito, de Marcelo Pedroso; Todos Esses Dias em Que Sou Estrangeiro, de Eduardo Morotó; O Completo Estranho, de Leonardo Mouramateus; Tigre, de João Borges. Mais um longa desinteressante o suficiente para me fazer abandonar a projeção com 50 minutos, algo que raramente faço: Passarinho Lá de Nova Iorque, de Murilo Salles. Tenho certeza que o filme não iria revelar consistência nos 40 minutos seguintes, e por isso não houve dor. Abdicar o quanto antes do que se revela ruim ao meu olhar pode fazer com que eu apreenda melhor aquilo que realmente me interessar. Ou seja: a cobertura, de fato, começa no próximo texto.
Sérgio Alpendre
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