Ano VII

A Floresta de Jonathas

sexta-feira dez 20, 2013

 

A Floresta de Jonathas (2013), de Sérgio Andrade

A natureza é ambígua. De um lado, fornece o alimento, é fonte de vida; do outro, mostra-se como um labirinto, um espaço sombrio regido por forças misteriosas. O que se passa em A Floresta de Jonathas é o borramento gradual da separação entre homem e natureza.

Estabelece-se a ambiguidade logo no princípio. Na mesma cena em que pai e filho recolhem tucumãs para vender na barraca de beira de estrada da família acontece também outro evento: Jonathas se fere numa árvore cheia de espinhos. A mesma natureza disponível para nós, homens, nos é também hostil, ameaçadora. O dúbio é um dos temas que atravessa todo o filme.

Outros são também os objetos de interesse de A Floresta de Jonathas. Enquanto o garoto gasta parte significativa de seu tempo na barraca, observa a estrada com seu fluxo por onde passa a vida. Como se da barraca para lá está o movimento da vida; da barraca para cá encontra-se a imobilidade, a repetição, a falta de cor. A barraca não é só uma barraca, mas também o portal do paraíso, pensa Jonathas.

Talvez seja por isso que Jonathas embarque com tanta sofreguidão na sedução do mistério da natureza. Quando está sozinho com ela, sem a presença do pai, o garoto mergulha – perigoso mergulho enunciado no começo do filme.

Jonathas é o que sonha em pegar o bonde do movimento da vida na estrada. Juliano, seu irmão mais velho, é o que age. Ele que chama atenção das meninas e que amplia a fresta pela qual o caçula vê o mundo: a promessa de ir acampar, num sábado, com Milly, “uma americana cheia de grana”, e Kedassere, indígena calado e misterioso.

A floresta é para o longa de Sergio Andrade o mesmo que o deserto para Gerry (2002): espaço de aventura – Jonathas o quer como lugar onde pode viver o desconhecido, Gerry como o que dá sentido a uma vida sem sentido (a procura pela “coisa). A diferença é estética: enquanto Gus Van Sant assume o cinema de fluxo, a imersão no tempo dilatado e no espaço líquido desde o princípio, Andrade prefere criar rachaduras numa aparência realista, direcionando gradativamente seu filme para o sensorial e para a incorporação de elementos fantásticos, do lado de lá do portal que separa os vivos dos mortos.

Em Gerry, os corpos lutam para não desaparecer na imensidão do deserto, batalha que nos é apresentada pelo sensorial. Em A Floresta de Jonathas prevalece a apreensão ritualística e Andrade a constrói de maneira muito mais sólida do que em seu filme anterior, o curta Cachoeira.

Jonathas e Juliano querem pisar da barraca para lá, fazer parte do fluxo de vida da estrada. Existe, pois, a floresta, seu mistério, sua sedução. Só quando o filme acaba que entendemos o peso daquele enigmático primeiro plano. De um lado, a floresta que chama; do outro, o inevitável desejo pelo movimento.

Heitor Augusto

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