Ano VII

Amor Bandido

segunda-feira nov 25, 2013

Amor Bandido (Mud, 2012) de Jeff Nichols

Se é possível arriscar um denominador comum para o cinema de Jeff Nichols, talvez seja a tentativa de registrar um processo de desintegração. Em sua estreia, com Shotgun Stories (2007), tratava-se de uma desintegração do núcleo familiar por um conflito, uma força violenta sempre velada, sempre no fora de campo, mas extremamente atuante; no seu segundo filme, O Abrigo (2011), tratava-se da desintegração da sanidade de um pai de família, sanidade esta posta em xeque sim, mas com uma loucura nunca confirmada – o que interessava era a dúvida acerca da veracidade dessa desintegração. Em Amor Bandido, esse processo diz respeito a um processo de amadurecimento e a consequente desintegração das ilusões.

Ao ajudar Mud (Matthew McConaughey), um fugitivo escondido numa ilha, a reencontrar uma antiga namorada, Ellis (Tye Sheridan) cria para si algumas imagens, espécie de projeções de suas ilusões, que dizem respeito principalmente às suas expectativas em relação ao amor, e que vão acabar recaindo sobre o modo como ele enxerga tais figuras que acabam por cruzar seu caminho. Mud e sua obstinação em reencontrar Juniper (Reese Witherspoon), aliada a sua aura de outlaw perseguido por gângsteres, corrobora para sustentar as expectativas em relação a experiência que Ellis busca viver em sua própria vida – um furor passional que o filme identifica com o período da adolescência. É na desintegração dessas imagens e expectativas nutridas por Ellis que Nichols buscará captar o processo de amadurecimento.

É interessante notar que não se trata somente de um processo de desconstrução esquemático dessas imagens/ilusões, e portanto edificante, no qual o amadurecimento viria como uma recompensa mecânica, óbvia e natural ao final do trajeto. As personagens que representam as principais ilusões – a serem perdidas – de Ellis existem e atuam de certa forma de acordo com o imaginário nutrido pelo garoto: o gângster é malvado e vai perseguir e bater na mocinha, o velho sábio vai instruir acerca dos perigos e também aparecer providencialmente numa hora decisiva e Mud, o romântico inveterado, que com suas habilidades de sobrevivência, adquiridas nessa sua existência marginal, age muitas vezes dentro do código heroico que é lhe cobrado – e ao mesmo tempo desconfiado – a todo tempo. 

O agir conforme as expectativas depositadas por Ellis ao mesmo tempo em que se firma um processo de desapego em relação as ilusões oriundas dessa expectativa, parece a todo tempo gerar uma espécie de reivindicação de uma existência, condenada já de cara pela própria temática do filme: o amadurecimento e a necessidade de se livrar dessas ilusões. Assim como em O Abrigo não se trata de demonstrar o óbvio – lá uma possível loucura, aqui as ilusões juvenis sendo deixadas para trás no processo de amadurecimento.

Na luta entre a confirmação e a negação das expectativas de Ellis encarnada nas personagens que o circundam cria-se uma espécie de fissura, que é talvez onde reside o nó essencial de Amor Bandido. O filme ganha corpo e se constitui com base num repertório de expectativas respaldado num imaginário de arquétipos característicos de histórias marcadamente cinematográficas – é esse repertório de expectativas que aos poucos será minado. Não se trata porém de uma meta referência ou mesmo um apelo  juvenil à “magia”, uma ode à inocência encontrada nessas histórias (o que seria inclusive um contrassenso, uma vez que Amor Bandido é muito incisivo e direto na sua temática de perda das ilusões).

Nessa fissura criada por Nichols é onde os corpos de seus personagens parecem reivindicar sua existência, é onde se instaura a luta contra a desintegração em curso, fruto do amadurecimento vivenciado por seu protagonista. Nesse sentido é que cenas como a que Ellis apanha do gângster que está batendo em Juniper, ou na qual também apanha em uma briga por sua paixão juvenil adquirem um peso raro – a violência física sofrida por Ellis parece adquirir um peso ontológico, encarnando a dificuldade do processo pelo qual ele está passando. Assim, as próprias figuras que estão sendo minadas de sua ilusão atuam fisicamente sobre ele, obstáculos de fato dolorosos que conferem ao processo de amadurecimento a seriedade que lhe é devida.

É válido observar nesse sentido uma característica formal da mise en scène de Nichols fundamental no registro desse processo: um gosto pelos planos gerais, algo que parece remeter ao cinema de um Anthony Mann por exemplo -  planos gerais que redescobrem o peso de um corpo habitando um espaço. Peso este que surge de forma quase espontânea, fragiliza seus personagens aos poucos e confere uma dramaticidade ainda mais intensa ao processo de desintegração registrado.

A desintegração registrada por Jeff Nichols é truncada e relutante, por consequência o processo de amadurecimento registrado é visceral, de uma dimensão física raramente vista, distante de qualquer tentativa atual parecida, como no registro recorrente de uma juventude de shopping center e um amadurecimento de boutique, presente por exemplo em As Melhores Coisas do Mundo (2010).

Amor Bandido esteve presente na seleção oficial do Festival de Cannes em 2012, mas passou quase desapercebido pelo circuito brasileiro, com uma estreia bem restrita – dado no mínimo lamentável para um filme de um diretor que, ao lado de James Gray, é talvez um dos mais interessantes a surgir recentemente nos EUA.

Guilherme Savioli

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