Ano VII

Grigris

sábado out 26, 2013

GriGris (2013), de Mahamat-Saleh Haroun

Mahamat-Saleh Haroun tem uma carreira sólida com interesses cinematográficos bastante definidos. A família – seja ela de sangue ou formada com afetos improvisados – é um deles. Outro é o entrelaçamento de um contexto macro de seu país, o Chade, com os dramas de seus personagens – em geral filhos tendo de resolver problemas dos pais ou protegê-los. Haroun também tem uma assinatura bastante definida como diretor (preferência pelo escope, mistura de atores com diferentes formações, diálogo entre o naturalismo e a fantasia, valorização do humanismo mesmo em situações limite).

Assim é Um Homem que Grita (2010), seu único filme a, milagrosamente, estrear no circuito comercial brasileiro. O mesmo vale para Nosso Pai (Abouna, 2002), o mais encantador filme de Haroun, e Estação Seca (Daratt, 2006), o mais impactante. Haroun é o melhor realizador africano da atualidade e representante solitário da cinematografia chadiana, cuja dependência da antiga metrópole para a produção e do selo legitimador dos festivais europeus tornam ainda mais complexo falar de identidade local e autenticidade – um senão bastante comum no continente. Essa problematização – como falar de produção local sendo que até a língua adotada é a do colonizador? – é compartilhada por diversos pensadores africanos, sendo Ferid Boughedir um dos principais.

Mas esta é outra discussão difícil de encerrar neste texto que pretende focar-se em GriGris, o mais recente – e, disparado, o mais fraco – de Haroun. Como de costume, ele filma bem. O quadro é composto com segurança e há nuances no comportamento da câmera, transitando do plano fixo mais frio à câmera na mão que se assume personagem interagindo com os atores.

Haroun – ou sua produção, já que não podemos ter certeza de quem é o mérito – também achou Souleymane Démé, o dançarino que protagoniza o longa. Só a firmeza de seu olhar profundo e o timbre de sua voz, que equilibra ternura, carência e determinação já vale a experiência de assistir GriGris. Uma vez mais o diretor efetiva a interação de quem não tem experiência na atuação – Démé – com atores sólidos que acompanham Haroun há tempos, como Marius Yelolo.

Por outro lado, rende-se a chavões, promovendo uma identificação entre eles próxima ao primário. A mais grave e que está justamente no centro do filme é a aproximação dos “excluídos”. GriGris, o dançarino, é manco (possivelmente teve paralisia infantil). Seu reinado só existe na pista de dança, onde ele domina. Fora delas, não consegue emprego sequer como criminoso. Por quem ele se apaixona? Por uma… prostituta! Linda, por sinal, que quer ser o quê? Modelo. E, obviamente, vive a rejeição.

Esse chavão dos rejeitados só não é mais óbvio do que a caçada dos bandidos no final. Mas ao mesmo tempo que o filme se enfraquece pela obviedade do roteiro, ele surpreende ao preferir um final feliz dentro das possibilidades dos personagens e especialmente pelo belíssimo plano da dança, que oferece fantasia e quebra a toada naturalista.

GriGris é um impasse como cinema. Por um lado, fortemente belo, encantador e honesto; por outro, ancorado no arquétipo. A esperança é que o espectador encontre resquícios de beleza em GriGris e vá descobrir o restante dos filmes de Haroun, pois é uma experiência gratificante.

Heitor Augusto

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