Educação Sentimental
Educação Sentimental (2013), de Júlio Bressane
Júlio Bressane é um dos maiores cineastas em atividade. Ponto. Não é necessário mencionar sua nacionalidade. São poucos os que fazem, no mundo atual, um cinema de tamanha qualidade. Manoel de Oliveira é um deles, e talvez seja o cineasta que mais se assemelhe a Bressane, sobretudo nos enquadramentos de perfeita simetria, no valor dado ao texto e no tipo de humor. Bressane tem um humor lusitano, algo bem perceptível desde o início de sua carreira.
Educação Sentimental narra o caso de amor, amizade, cumplicidade e aprendizado entre a professora Áurea e o jovem, muito jovem, Áureo. Mas tal narrativa, como sempre, é incomum. Bressane, como Oliveira, dá grande atenção à palavra, o que pode levar a equívocos (cineasta excessivamente literário, dizem alguns, tanto de Bressane quanto de Oliveira). Que não se enganem: Bressane é um homem de cinema.
Sua preocupação com a forma é evidente. O uso que faz do espaço é preciso, e por isso ele consegue evitar que o enquadramento fique asfixiante. Os movimentos de câmera surgem quando estritamente necessários, rompendo a rigidez anterior como um grito, um ruído que surge para abolir o conforto da contemplação. Há rigor em seu cinema, mas também há poesia. Nunca a poesia buscada a qualquer custo, mas a poesia que brota naturalmente das situações encenadas. De um papel cartão que emula o fechamento da íris nos filmes mudos, por exemplo. Ou de uma tentativa de fechar uma porta que se transforma numa dança sensual. Pensando bem, de seus últimos filmes, este talvez seja o que mais tem movimentos de câmera. Movimentos que acompanham os corpos na dança, ou que flagram uma mudança de comportamento dos personagens.
Áurea mostra algumas peças antigas para ele, explicando o contexto em que a peça foi fabricada e, por vezes, a origem. É tudo que deseja um professor: encontrar um aluno interessado no que está sendo ensinado. A transmissão se dá dessa maneira, com alguém generoso para ensinar e alguém aberto ao aprendizado.
Ela mostra, então, um pequeno rolo, e fala, indo da entonação afetiva para a caricatura do solene: "um filme, uma película; isto hoje tem um valor arqueológico; estará em breve no museu das sensibilidades perdidas". Em seguida, começa a desenrolar o filme na frente da câmera, reproduzindo a magia da imagem em movimento, enquanto tudo ao redor está fora de foco. É um momento bárbaro. Só o cinema importa, parece dizer Bressane. Em outro instante, cortinas se abrem para o diálogo dos áureos amantes, explicitando o princípio da encenação que o cinema herdou do teatro.
Educação sentimental então quer dizer, para além da referência flaubertiana: ensinamento artístico, demonstração de que a sensibilidade para o belo não deve morrer, lamento por um estágio ultrapassado da arte: pelo fim da película. Mais do que isso: o filme fala do apaixonar-se por arte, num momento em que as artes são sufocadas por ambições comerciais, contrapartidas de editais ou coisas piores.
Júlio Bressane é anacrônico, sim. Majestosamente anacrônico.
Sérgio Alpendre
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