Grand Central
Grand Central (2013), de Rebecca Zlotowski
A utilização de uma usina nuclear como cenário primordial, em Grand Central, pode levar a um equívoco: a hipótese de que o novo filme de Rebecca Zlotowski restringe-se a mais uma crônica social contemporânea, na qual as personagens respondem, basicamente, ao ordenamento opressor das divisões de seus ofícios, com as demandas do trabalho modelando suas ações.
Pode-se confundi-lo, assim, com algumas das inúmeras imitações dos irmãos Dardenne, e o fato é que uma inicial descrição quase documental da rotina destes rudes proletários (além da utilização de Olivier Gourmet como o líder deles), parece apenas confirmar tal pressuposto. O instante da aparição de Léa Seydoux nos diz outra coisa: Zlotowski quer filmar a paixão, materializando o desejo sexual. E irá fazê-lo através de uma fisicalidade imensa e uma sobriedade incomum.
A alegoria é tão simples quanto eficaz: Gary (Tahar Rahim) chega a este pequeno grupo de proletários e apaixona-se por Karole. Ela é a mulher de Toni (Denis Ménochet), e a medida em que o recém-chegado passa a envolver-se obsessivamente com ela, será a mesma com que uma dose crescente da radioatividade do local irá contaminá-lo.
Toda a encenação irá respeitar essa metáfora, e a história existirá dialeticamente na tensão entre múltiplos polos: o pavor e a bravura; a amizade e a traição; o clima frio e metálico do interior da usina e o campo idílico que o rodeia. Sobretudo, a manutenção do cotidiano enclausurante e a fuga que essa paixão proibida pode representar. E é assim que Grand Central sai ileso daquilo que sua sinopse pode anunciar: imergindo no melodrama.
Para a cineasta francesa, tanto a periculosidade deste trabalho quanto a clandestinidade deste romance levam a um mesmo lugar: um universo de violência e poesia, amor e morte. Se o interior da usina é simultaneamente insondável e sedutor, também o é o lago do lado de fora, na escapada noturna que Gary e Karole promovem em uma noite calorosa. Se a luminosidade solar inunda as tardes de verão desta equipe, o mesmo pode ser dito da água azul fluorescente da piscina nuclear, no centro do reator.
Aos personagens, no entanto, Zlotowski desobedece os extremos. Não sabemos de onde Gary veio e do que ele é capaz. Karole, por sua vez, claramente ama o seu marido, Toni (cujo nome é uma homenagem direta a uma das primeiras obras-primas de Jean Renoir). Enquanto no começo esse se afigurava um brutamonte, facilmente capaz de um assassinato se soubesse da traição, mais tarde não é isso que ele se revela: de uma maneira estranha, é com ele que esperamos que Karole fique, e a ameaça que ela parecia representar a Gary, ao final, percebemos ser inversa.
Grand Central é poético, delirante, carnal. Seu interesse sobre essas personagens à deriva (talvez daí seu título referir-se a um terminal ferroviário, local onde as pessoas não vivem, mas passam) alimenta-se de suas contradições fundantes e, destas tantas forças que se opõem, a sensatez cênica de Zlotowski resulta em imagens que arrebatam por suas aflitivas belezas febris e pela intensa presença sensual dos corpos de seus atores.
Bruno Cursini
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