Gravidade
Gravidade (Gravity, 2013), de Alfonso Cuarón
Gravidade é um competente e eficaz thriller sobre alguém que deve se confrontar com uma situação limite para, assim, superar um grande trauma familiar. Como as superproduções hollywoodianas não são notórias pela sutileza, tal situação se dará na imensidão da órbita terrestre, com a força e a determinação de sua personagem sendo colocadas em prova à maneira de um videogame; ou seja, com os graus de dificuldade sendo aumentados a cada nova etapa/fase.
Alfonso Cuarón é o cineasta e, assim como já ocorria com o seu trabalho anterior, Filhos da Esperança, de 2006, seu apreço pela técnica e sua predileção por elaborados planos-sequência salvam este da mesmice preguiçosa presente na condução da maioria dos blockbusters dos últimos anos. Já na primeira cena, que orgulhosamente prescinde da utilização de cortes (ao menos os aparentes) por quase vinte minutos para apresentar os conflitos e os personagens, seus méritos já estão expostos à clareza dos espectadores e seus indefectíveis óculos – evidentemente, obrigatórios para o total consumo deste espetáculo de computação gráfica em 3D.
Nela, encontramos uma equipe de astronautas sendo dilacerada por uma nuvem de detritos, que preservará apenas a médica responsável (Sandra Bullock) e o comandante da missão (George Clooney). Cuarón é mais talentoso e inteligente do que a média de seus companheiros de ofício e conseguirá puxar, por algumas vezes, nosso tapete. Logo cedo, por exemplo, praticamente exclui aquele que nos parecia ser, de início, o seu protagonista, ilustrando habilmente a desolação afetiva da personagem (que há pouco perdera a filha) em isolamento físico.
Para tanto, não se furta às concessões; pelo contrário: parte do absurdo diante das reações mais extremadamente positivas acerca do filme advém do fato delas se utilizarem de uma conveniente vista grossa às obviedades de qualquer drama de superação emocional que, aqui, apenas ganham uma outra roupagem, com crescentes e ininterruptas explosões e desvios de rotas em gravidade zero, fazendo com que a profundidade da obra só seja, de fato, relevante àqueles que vivem em estrita dieta de Michael Bay.
O sucesso de suas intenções, no entanto, é inegável; um pouco menos em sua por demais pretensiosa conclusão (e talvez a grande responsável pelas hipérboles nos adjetivos com os quais a crítica, particularmente a americana, o tem coberto) onde, após avistar uma reprodução de um ícone cristão na espaçonave russa e uma estatueta de um Buda na chinesa, a personagem literalmente cai do céu ao fundo do mar para, bem como as primeiras formas de vida sobre a terra, surgir à superfície com alguma dificuldade, conseguindo, enfim, angariar forças para sustentar-se sobre os seus próprios pés (descalços, na lama).
Um novo ser, inteiro e literalmente renascido, surgirá ali, é verdade, mas devidamente trajado, suficientemente casto para não (1) confundir a mensagem edificante e (2) acabar tornando um eventual plano de Sandra Bullock pelada (em 3D!) o mais memorável de todo o filme.
Bruno Cursini
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