CADA UM COM SEU FESTIVAL
BALANÇO FESTIVAL DO RIO
POR GILBERTO SILVA JR.
CADA UM COM SEU FESTIVAL
Começo meu balanço pessoal do Festival do Rio 2013 partindo de uma observação feita no Facebook: Ao término de duas semanas de correria no Festival do Rio, você entra numa de conferir o que rola no circuito. Vai ver Familia do Bagulho e constata que essa boa comédia, mesmo não sendo nada especial, ainda é bem melhor que boa parte dos filmes que você assistiu dentro da programação do festival, incluindo obras de diretores "consagrados" e selecionados pelas competições oficiais de Cannes, Berlim ou Veneza. Isso diria muito sobre o estado atual do cinema como um todo?
Mesmo recheado com um grande número de títulos das mais diversas origens, um festival dessa magnitude (assim como a Mostra de Cinema de São Paulo) não é garantia de uma uniformidade de bons títulos. E estes, como no caso de Familia do Bagulho ou outros produtos para consumo popular, podem também estar no cinema de shopping mais perto de você. Além disso, um festival, uma mostra ou coisa parecida não é um retrato perfeito do que o mundo em um modo geral vem produzindo em sua totalidade, mas sim um reflexo daquilo que as respectivas curadorias consideram como de interesse. E em se tratando dos grandes festivais internacionais, em suas últimas edições, tais curadorias parecem estar selecionando uma série de títulos a meu ver pouco interessantes, para dizer o mínimo.
Voltando ao Festival do Rio, como obviamente não dá para assistir a tudo, é essencial que cada cinéfilo faça sua própria curadoria ao montar a programação. No meu caso, privilegio meus cineastas favoritos, retrospectivas e os ditos filmes representativos dos grandes festivais. Dicas de amigos de gosto confiável são sempre bem vindas. Em se tratando de cineastas favoritos, sem dúvida atualmente Hong Sang-Soo ocupa lugar privilegiado em minha lista. Hong leva ao paroxismo a máxima que afirma que um autor faz sempre o mesmo filme. E esse filme é sempre, no mínimo, muito bom. Dois Hong Sang-Soo, melhor ainda; os dois últimos da safra não decepcionam. Os mesmos personagens eternamente perdidos e indecisos, vivendo momentos banais, falando, comendo e bebendo infinitamente. Para o fã, como eu, ainda torna-se mais evidente a identificação ao ver nos filmes temas que remetem ao seu momento atual de vida. A Filha de Ninguem é ótimo, mas Our Sunhi, ao menos nesse primeiro momento, parece alinhar-se ao lado das obras-primas de Hong, como Turning Gate e A Mulher na Praia.
Outro grande que não decepcionou foi James Gray. The Immigrant - que deveria ter sido traduzido como A Imigrante – é filme de rara beleza, alinhando o rigor formal à emoção dos grandes melodramas, ao trazer á tona o tema da redenção. De quebra, traz ainda dois planos que não descolam dos olhos. O close-up do rosto de Marion Cotillard durante a confissão, e o plano final, sobre o qual muita coisa ainda há de ser escrita e discutida. Igualmente belo é A Garota de Lugar Nenhum, onde Jean-Claude Brisseau abre mão do erotismo e sexualidade de seus últimos filmes e realiza um tratado essencial sobre arte, amor, vida e morte, apontando sua visão pessoal sobre temas de tamanha grandeza, com uma simplicidade de mestre, aliando sua mise-en-scene a uma concisão precisa em apenas 90 minutos de projeção.
O cinema de gênero vindo do oriente parece encontrar-se numa espécie de limbo no mercado brasileiro. Rejeitado igualmente pelo público multiplex, que ignora a produção não-americana, e pelo público de circuitinho, mais afeito a uma pseudo-arte que engloba “fofuras” e “temas relevantes”. Ficamos na mesmo na dependência de festivais para um acesso em cinema aos filmes de nomes importantes como Johnny To ou Kiyoshi Kurosawa. Blind Detective de To é pura diversão, aliando humor vulgar e violência, conduzidos pelo talento do cineasta. Já Real fica a dever um pouco aos melhores trabalhos de Kurosawa, mas tem lá seus bons momentos. Tivemos também um expressivo Takesi Kitano, Outrage: Beyond, visto na Mostra do ano passado. Outro renomado cineasta japonês, Shinji Aoyama, dessa vez ficou devendo com Backwater, filme no mínimo curioso, mas que se perde ao não conseguir equilibrar a pretensão de construir um microcosmo da história recente do Japão aos elementos grotescos da trama.
Outros bons filmes foram Bastardos de Claire Denis, bastante digno, apesar de não se igualar aos melhores momentos de sua obra, Night Moves, de Kelly Reichardt, a bizarra comédia Tip Top, de Serge Bozon, Behind The Candelabra, o melhor Soderbergh dos últimos anos e A Imagem Que Falta, de Rithy Panh. Gostei também de Sozinha, mesmo sabendo ser a versão reduzida desse documentário de Wang Bing. Infelizmente, não consegui conciliar a longa duração de alguns filmes com meus horários de trabalho, ficando sem assistir coisas importantes, em especial documentários, como Até Que A Loucura Nos Separe, também de Wang Bing, Em Berkeley de Frederick Wiseman e O Último dos Injustos, de Claude Lanzman.
Como nem tudo são flores, temos também as decepções, e a maior delas foi Um Estranho No Lago, de Alain Guiraudie. Depois de O Rei da Fuga, eram boas as expectativas, mas mesmo com seu talento na captação de planos, o novo Guiraudie fez pouco além de me entediar. Saí igualmente decepcionado de Manuscritos Não Queimam (Mohammad Rassoulof) – que até começa bem como denúncia ao desprezo sofrido pelos intelectuais no Irã, mas que acaba por se perder num tratamento redundante –, do vencedor de Veneza, Sacro GRA, documentário sem qualquer definição precisa de seu objeto e, por fim, de Abuso de Vulnerável, de Catherine Breillat.
Quanto a alguns outros, realmente não esperava muito de filmes que, apesar da chancela de cineastas consagrados ou dos grandes festivais, ficam em patamares que variam entre a mediocridade e a abjeção, calcando-se na relevância dos temas ou em cacoetes repetidos de cineastas enferrujados, em detrimento de um mínimo vigor na direção. Então aí temos, Walesa (Andrzej Wajda), Eu e Você (Bernardo Bertolucci), Only Lovers Left Alive (Jim Jarmusch), Um Dia Na Vida De Um Catador de Ferro Velho (Denis Tanovic), Quando a Noite Cai Em Bucareste (Corneliu Porumboiu). Igualmente nulos foram Vic + Flo Viram Um Urso (Denis Coté), Michael Kohlhaas (Arnaud des Pallières), Ouro (Thomas Arslan), Gatinha Esquisita (Ramon Zurcher), todos com um grande festival no currículo. Nada que se compare ao péssimo Heli, de Almat Escalante, vencedor de um injustificável prêmio de direção em Cannes, para um filme miserabilista que descamba ao final por apresentar uma tese de teor bastante canalha. E basta lembrar que tínhamos James Gray saindo de mãos abanando disputa para mostrar ao cego júri de Cannes o que é um trabalho de direção realmente talentoso.
Com o fim da jornada e vislumbrando a irregularidade da programação, cabe ao cinéfilo questionar a validade do esforço em acompanhar todos esses filmes. Mas enquanto se reflete sobre o cansaço e a insatisfação, chega a hora de se preparar para começar tudo de novo depois de duas semanas, na Mostra de São Paulo.
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