Ano VII

Frances Ha

quarta-feira set 18, 2013

Frances Ha (2013), de Noah Baumbach

Frances Ha trabalha num nível próximo ao primário na identificação com seu espectador. Frances, a protagonista, tem 27 anos, mora em Nova York, tem uma amiga do tipo “carne e unha, alma gêmea, bate coração” e ainda está perdida na vida. Estuda dança, mas não deslanchou. Não tem muito dinheiro, mas faz uma inexplicável viagem a Paris por dois dias e pendura no cartão.

Propor um diálogo crítico sobre filmes que se colocam tão próximos do espectador implica o risco de ferir o sentimento dos que amam Frances Ha porque compartilham dos dilemas de Frances. Pois como ele fala de uma realidade muito próxima a quem é de classe média, se aproxima dos trinta e vive de arte e/ou outra carreira cheia de incertezas, criticar o filme é viver com a possibilidade de uma personalização da crítica – “se eu sou como a Frances e estão criticando o filme dela, logo critica-se a mim, ao meu mundo e aos que me são próximos”.

Sim, uma postura equivocada, mas bastante comum ainda mais em tempos de espectador de cinema que se comporta como um mero consumidor.

Mas é preciso dizer que, a despeito de alguma sinceridade no que a personagem passa, Frances Ha está mais preocupado em impressionar por sua suposta leveza e beleza do que realmente interessado em tornar Frances tridimensional.

Por que o uso do preto e branco? Em qual nível dramatúrgico ou estético tal escolha se justifica? Num filme como Sudoeste, por exemplo, o preto e branco é mais um elemento a compor um conceito sobre a confusão temporal e seu desenrolar vagaroso. No filme de Noah Baumbach, a ausência de cor, aliado ao uso ostensivo de jump cuts e elipses, é nada mais que um fetiche no passado do cinema. Como se ao se utilizar de procedimentos popularizados pela Nouvelle Vague ele passasse a frequentar a mesma fileira dos filmes da primeira fase de Godard. Ilusão.

A coisa só piora quando Baumbach cita Leos Carax. Frances corre como Denis Lavant corria ao som de Modern Love em Sangue Ruim (1986). Frances aporta na ponte onde se desenrola todo o enredo de Os Amantes da Ponte Neuf (1991). Em vez de ser uma consequência do desenvolvimento do filme, uma referência tão natural que se mostra até inevitável, sente-se o contrário: que Baumbach tenta tanto ganhar o coração do cinéfilo quanto dar legitimidade ao próprio filme (pois acessa imagens míticas, memórias sólidas que avisam ao espectador mais atento “Olha como eu conheço cinema”).

Sem falar nas armadilhas cômicas para forçar uma simpatia e uma identificação com Frances. A ver: as letras garrafais da camiseta “Ask Me”; os diálogos com Benji, especialmente a repetição do “Miss Undatable”; os gestos um tanto desengonçados ao dançar, mesmo sendo Frances uma estudiosa da dança; o antagonismo “Frances, a deslocada-atrapalhada-divertida” X “Raquel, a exímia e arrogante dançarina”.

Mas o que esse empacotamento “sério” (porque se refere várias vezes ao próprio cinema), “descontraído” (porque jamais põe o espectador numa posição de desconforto como um Woody Allen consegue fazer no humor) e “bonito” (porque quer ser descolado ao filmar em preto e branco) não esconde é que Frances Ha é um filme vazio. Leve, no pior sentido da palavra – aquele que de tanto pasteurizar perde o gosto, a essência.  Frances Ha é um filme sem peso.

Heitor Augusto

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