Ano VII

OS AMANTES PASSAGEIROS

sexta-feira ago 30, 2013

OS AMANTES PASSAGEIROS (Los Amantes Pasajeros, 2013), de Pedro Almodóvar

O retorno de Pedro Almodóvar ao escracho do início de sua carreira permitiu ao cineasta espanhol trabalhar com temas de forma mais amena, ainda que não menos contundente. A péssima recepção por parte de considerável número de críticos corresponde à dificuldade em aceitar uma comédia chula como um produto de qualidade, ainda mais vindo de quem veio. O mesmo acontece com aqueles que confessam uma aversão a filmes de temática fantasiosa – em especial, o cinema de horror – e de exploração pura e simples, como os eróticos.

Criticar o filme novo de Almodóvar por trazer piadas de conteúdo forte ou seu roteiro por dar vazão ao escracho e a anarquia, parece ser mais uma escapatória para quem não gosta de risadas, pois acredita que isso atrapalha o entendimento pleno das qualidades de uma obra. E se um filme faz piadas com ejaculação ou drogas escondidas no ânus, ele não pode ser bom. Almodóvar comete grande ofensa aos olhos dos críticos emburrados. É um diretor consagrado sem nada mais a conquistar. E depois de brincar com o melodrama escancarado (e que o elevou às alturas) vai mexer com outros gêneros, o que resultou no excelente híbrido de drama, horror e suspense A Pele que Habito (2011), que já havia causado rupturas entre os seguidores. Oferecer piadas agora seria um retrocesso, seria mexer no vespeiro.

De cineasta veterano e de renome, se espera dignidade. Almodóvar tem a ousadia de seguir a trilha de Otto Preminger que deixou meio mundo atônito com Skidoo se Faz a Dois, de 1968 (Groucho Marx fumando maconha e Jackie Gleason viajando com ácido). Ou Billy Wilder em seu último filme, Amigos, Amigos, Negócios à Parte (1981), remake de uma comédia de Francis Veber, e que continha piadas com pintos e disfunção sexual. Recentemente nos EUA, o favorito indie David Gordon Green perdeu boa parte de seu séquito de admiradores após abandonar provisoriamente os dramas densos para criar uma série de filmes com que caíam de cabeça no humor adolescente e com citações dos anos 1980, com resultados que variaram do bom – Segurando as Pontas (2008) ao irregular – Sua Alteza? (2011).  Sem sucesso de público e crítica, Gordon Green está agora de volta aos filmes mais densos. A verdade é que o riso parece que continua uma prática proibida em certos círculos.

Alguns defenderam o filme de Almodóvar em cima da comparação política que este faz da Espanha com um avião fadado ao desastre, comandado por uma tripulação incompetente e assistido por uma elite perdido em seus próprios problemas enquanto as classes baixas dormem. Ao retomar a veia anárquica dos tempos de Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980) e Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), Almodóvar também volta com um humor afiado e que, ao invés de criticar o puritanismo e a hipocrisia da sociedade espanhola como havia feito nos anos 1980, prefere criar uma declaração aberta ao sexo livre. Na viagem de avião de Almodóvar pode tudo, inclusive ser católico, homossexual e usar drogas. Os comissários de bordo do voo da alegria agradecem.

Leandro Cesar Caraça

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