Ano VII

Mostra SP: Que tipo de magia?

segunda-feira nov 21, 2011

Sobre Histórias da Insônia, de Jonas Mekas

O ator Louis Garrel, em Histórias da Insônia

Uma das mais memoráveis noites da Mostra de SP viu o filme Histórias da Insônia, o ultimo de Jonas Mekas, ser exibido pela primeira vez. Num desses acontecimentos que só a modernidade pode explicar, o fato do filme trazer algumas personalidades pós-modernas espalhadas em cena (notavelmente Louis Garrel, mas também Bjork), fizeram da sessão uma tortuosa experiência. Totalmente lotada, com um público ávido por fofuchices e questões-abordagens mais fáceis, a estética nada convencional, se aproximando de um filme amador para os olhos menos preparados, chocou o público. E assim foram, esvaziando a sessão, centenas de pessoas. E enfim pudemos assistir ao Mekas, sem o mar de cegos nos torturando. Mas não tenho tanto interesse pelos motivos que levam o público a ver ou não o filme, mesmo que a presença deles na sala de fato incomode, visto que agonizam falando (presenciei um sujeito dizendo que fazia questão de votar – dar nota – porque o filme que viu era terrível). E sim no porquê daquele espetáculo, da pequena câmera como um objeto de cena. Por que isso é mágico? Por que nós – eu, pelo menos – vejo tanto fascínio nesse mundo torto?

Noutro tipo de experiência, Irmãs Jamais, o ultimo de Marco Bellocchio, houve uma reação menos agitada do público, mas foi também um choque. As pessoas estavam convencidas que algo de errado havia acontecido ali. Devia ser a cópia, alguns gritavam. Na verdade, Bellocchio havia feito um filme bem aos moldes mekianos, mas dentro de seu mundo trágico, dramático. Um filme quase caseiro, feito durante anos, com sua família em cena. Se aproxima de Mekas, sim, se pensarmos que o formato, sem estrutura e de autoconstrução narrativa, dramática, é quase a mesma. Dado o fatalismo do cinema familiar de Bellocchio, o mais curioso é a noção de que ele não sabia aonde iria quando começou. Em cena, no entanto, as peças estão postas com maestria. Se sobraram comentários descrentes, é porque provavelmente há parte da cinefilia que tem um problema sério com a evolução do formato digital – que de certa forma está retratado aqui em mais de dez anos de processo.

Mas é um tanto mais fácil compreender o fascínio do cinema de Bellocchio, mesmo numa obra diferenciada, do que algo tão ligado aos instantes, como o filme do Jonas Mekas, cuja trajetória do personagem-diário se confunde no filme com as pessoas que passam por ele. Se Bellocchio usa de uma estratégia mekiana, seu cinema continua duro, convicto, enquanto Mekas traça caminhos. O digital nem é questão em Histórias da Insônia, tendo em vista que a câmera existe tanto quanto os cigarros fumados em cena, que os personagens se apresentam anonimamente. O valor material da câmera é o de qualquer objeto de cena, o que dá ao filme uma sensação única. Neste caldeirão que possui momentos tão incríveis como os relatos longos sobre a queda de um homem com o vicio, no qual Jonas Mekas se cala por completo deixando a estrela brilhar no cantinho da tela, as infinitas bebedeiras, danças, comentários insossos sobre celebridades, caos. A magia aqui talvez se encontre no formato de relato, na interação quase espiã em que somos colocados. O momento em que Harmony Korine, sempre doidão, define, em seu episódio, o mundo – logo, o cinema – de Mekas, a mania que segundo Korine o cineasta tem de colocar a câmera na beirada de qualquer lugar que esteja, seja um sofá, um bar, sempre no cantinho, louco para que a câmera escorregue e se espatife no chão, apenas para que ele a coloque de novo no mesmo lugar, é o momento mais direto e incrível de Histórias da Insônia. Num filme que é construído na base do erro, do fora de lugar, apenas um grande cineasta teria a capacidade de unir isto, dar um corpo, sem trair o conceito. O torto e o tosco tem seu fascínio.

Guilherme Martins

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