Amor Profundo
Amor Profundo (The Deep Blue Sea, 2011), de Terence Davies
O momento que sintetiza Amor Profundo é aquele em que Hester, personagem de Rachel Weisz, afasta-se da câmera lentamente, tornando-se quase um borrão e confundindo-se com o muro ao fundo. É a síntese da história de uma mulher que se anula por amor, que vai até o fundo por um homem que não sente o mesmo por ela, ou ao menos não o sente na mesma intensidade.
Um outro momento evidencia a preciosidade da direção de Terence Davies: Hester está prestes a se jogar numa plataforma de metrô. Pensa em se matar, e nada mais. Enquanto ela hesita, somos transportados para um outro momento, em um tempo passado, em que as pessoas que se reuniam amigavelmente se sobrepõem aos trilhos da estação, compondo uma ligação impressionantemente harmoniosa entre dois tempos distintos: o tempo de amar e o tempo de morrer. Ela não morre. Na volta para o tempo atual, vemos que a memória a levou para longe, e o trem passa à sua frente, despertando-a do transe. Pensemos em quantas cenas como essas encontramos no cinema atual. Com essa habilidade de entrar na mente da personagem, poucas. São ainda mais raras se pensarmos no cinema inglês dos últimos anos ou na Hollywood do mesmo período. Por sinal, há uma cena semelhante no novo filme de Soderbergh, Terapia de Risco, cujo desfecho é óbvio e burocrático.
O filme mostra a profunda desilusão dessa mulher, Hester, que ama desmedidamente, e que parece destinada a sofrer por esse amor. Estamos na Londres de 1950, época em que ainda não conhecíamos o rock e os aparelhos de TV ainda não tinham invadido os lares. Uma coisa, no entanto, não muda. Pessoas que amam desmedidamente tendem a amar a pessoa errada. Hester não é como a Mabel de Uma Mulher Sob Influência (de John Cassavetes), outra mulher cujo amor desmedido pelo marido faz com que se afunde em sua própria confusão. Mabel ao menos ama o cara certo, um trabalhador cuja grande preocupação é vê-la feliz. Hester ama um almofadinha, desses que não suportam se confrontar com a dor ou a angústia de alguém.
Hester é uma vítima de um mundo sem amor (ao menos o mundo segundo o que ela vê). É uma mulher mizoguchiana, que não encontra saída para suas desilusões. Está dividida entre um homem maduro e rico, que pode lhe dar tudo, menos a si mesmo, e um jovem mimado que só pode lhe dar prazer carnal, de vez em quando.
Terence Davies começou com dois longas que exploravam sua paixão pela música: Vozes Distantes e O Fim de um Longo Dia. Depois entrou num registro que tem sido chamado de acadêmico (algo bem equivocado, a meu ver) e fez o belo documentário Sobre o Tempo e a Cidade, que desvenda parte dos encantos de Liverpool, sua cidade natal. Em Amor Profundo, abre-se novamente ao melodrama escancarado, com direito a acordes finos de violino após uma ligação telefônica desastrosa. O embaralhamento dos tempos narrativos é sofisticado e inteligente, e a direção é elegante, com movimentos justos de câmera. Davies está a um quarto do caminho de ser um novo Max Ophuls (e se chegar no meio do caminho será um feito e tanto).
Sérgio Alpendre
© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br