Ano VII

Somos Tão Jovens

domingo mai 19, 2013

Somos tão Jovens (2012), de Antonio Carlos da Fontoura

Somos tão Jovens é mais um fruto da aproximação do cinema brasileiro com a música, caminho bastante explorado nos últimos anos, seja no documentário, seja na ficção, e nesta, seja adaptando e expandindo a narrativa de uma música, seja pela cinebiografia de um músico. Somos tão Jovens lembra pelo tema Dois Filhos de Francisco e também o recente Gonzaga, de Pai para Filho, ambos de Breno Silveira.

Dirigido por Antonio Carlos da Fontoura, diretor de bons filmes no passado, como Rainha Diaba e Copacabana não me Engana, e de filmes recentes sofríveis como Gatão da Meia Idade e No meio da Rua, Somos tão Jovens é um filme bastante irregular, mas que acaba se impondo, mais positivamente que negativamente, devido ao forte impacto gerado pela contextualização da origem das músicas de Renato Russo a partir da biografia do cantor e, sobretudo, a partir da sua forte personalidade.

Neste sentido, tal impacto é favorecido pela construção do personagem e pela atuação de Thiago Mendonça que o encarna. Se as primeiras sequências, a da queda na bicicleta e a do hospital assustam pela interpretação de certa forma canhestra, com o passar do filme, tal maneira de atuar acaba sendo melhor absorvida, embora excessos e caricaturas beirem o grosseiro, caso, por exemplo, do personagem de Herbert Viana que aparece pouco, mas parece sempre estar bem acima do tom.

Emociona também, e me pareceu bem construída, a amizade entre Renato e Ana e a reconstituição, embora eufemizada, de uma época bastante especial e produtiva como foi o final da ditadura em Brasília e a relação dos filhos de poderosos, militares, embaixadores, políticos, com o movimento juvenil e cultural da cidade de onde se originou o punk rock brasiliense.

Interessante, nesse aspecto, é contrapor Somos tão Jovens e sua versão bem edulcorada, tratando drogas, sexos e rock´n roll com uma leveza muito típica da nossa época, mostrando sexo, homo e heterossexual, e drogas, sobretudo, de maneira bastante distanciada, numa esfera politicamente correta que agrada todo tipo de novo censor – mercado, investidores, um suposto público e pregadores de qualquer ordem moral e religiosa – a filmes de outros tempos e com outra pegada ao tratar do mesmo cenário. Penso, por exemplo, no corajoso e provocativo A Concepção de José Carlos Belmonte (2005) e de O sonho não Acabou de Sérgio Rezende (1982), este feito no calor do momento, e que merece, como o filme de Belmonte, mais recente, uma bela revisão.

Ainda que se possa criticar Somos tão Jovens por atenuar estas questões ou por ter alguns momentos de maior frouxidão ou distensão narrativa, a força do filme, o que o tem tornado popular e um sucesso de bilheteria, é a magia que o cinema possibilita ao mostrar como nasce uma canção a partir dos dilemas interiores do autor. Quando a música explode na tela quem viveu a época, ainda que não em Brasília, e ouviu Legião dificilmente não se verá atingido por tal memória afetiva.

Além disso, e apesar de mascarar situações – a contestação política ao regime está lá, mas óbvio não existe nenhum enfrentamento mais sério a militares ou figuras que ainda permanecem na sombra -, outro ponto a ser destacado no filme – e aqui talvez resida outra afetação nostálgica – é ver jovens num embate ideológico, ainda que hoje isso soe anacrônico, e construindo com muita dor – existencial – identidades que não seguem cartilhas preconcebidas. Para os jovens de hoje, apertadores de botões de produtos tecnológicos do quais se transformaram extensão, tal registro pode soar absurda e paradoxalmente distante, visto que qualquer identidade pode ser forjada desde que pelo consumo. Nesse ponto, ou seja, pelo tratamento do tema, Somos tão jovens e A Concepção são pares opostos. Uma oposição extremamente didática.

Cesar Zamberlan

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br