A Visitante Francesa

A Visitante Francesa (Da-reun na-ra-e-seo, 2012), de Hong Sang-soo)

A Visitante Francesa é o segundo filme de Hong Sang-soo que chega ao circuito comercial paulistano e o primeiro do cineasta coreano com a presença de uma grande estrela: a atriz francesa Isabelle Huppert.

O filme, como costuma acontecer no cinema de Hong, se relaciona à busca de um tema para um filme, mas, diferente dos filmes anteriores, esse ponto de origem em A Visitante Francesa ocorre de modo mais despretensioso. Não temos um cineasta famoso procurando uma história, como em Mulher na Praia, por exemplo, mas uma jovem, uma jovem qualquer, o filme não diz muito sobre ela, que escreve um roteiro, como um devaneio, para se acalmar e aplacar sua ira frente ao tio que causou um prejuízo à família. O filme é a materialização do roteiro, pela imaginação desta jovem, que o reescreve de modo bastante diferente três vezes, mas com uma série de elementos comuns, sendo o principal deles, a visitante francesa.

A visitante, elogiada e desejada, é uma clara metáfora à influência que o cinema francês exerce sobre o cineasta coreano, Truffaut e Rohmer, sobretudo; e o filme celebra a capacidade de fabulação, a leveza narrativa, a possibilidade de criar histórias a partir de coincidências, encontros e desencontros, mexendo em peças do jogo – personagens agindo num espaço e tempo – para vislumbrar novas e arejadas possibilidades dramáticas, possibilidades que fogem à lógica fundada em nexos causais aristotélicos, hoje rigorosamente estabelecidas em manuais de roteiro.

Sang-soo estrutura seus filmes a partir de uma outra matéria, segue um outro manual, trabalha visitando um outro tipo de cinema, cinema mais autoral, com uma matéria dramática aparentemente pouco complexa, se pensarmos em termos de intriga, mas bastante elaborada se pensarmos na mise-en-scène. Matéria que revela uma cosmovisão muito simples, e que, à maneira de Ozu, busca representar o mundo como o mundo é. Só que o mundo de Sang-soo não é tão suave no seu encanto, é, sim, cheio de tropeções, bebedeiras, incertezas, idas e vindas, reformulações, passos em falso, numa negação ao mundo espetacular e de rumos certeiros que o cinema geralmente formula para conferir um sentido mais grandioso e sensacional à vida.

O anti e simples cinema de Hong Sang-soo é habitado pelos personagens mais deliciosamente humanos e sinceros do cinema contemporâneo. Distante de qualquer ato heroico e longe de serem previsíveis, os personagens de Sang-soo beiram o patético, sobretudo, quando bebem – e se bebe muito Soju nos filme do coreano -, mas esta afetação não serve ao caricato – ainda que o salva-vidas de A Visitante Francesa se aproxima em certos momentos da caricatura -, serve, sim, a uma verdade interior que longe de causar constrangimento, humaniza. Faz rir não pelo ridículo de uma cena, mas pela constatação da frágil natureza humana desnudada diante de sentimentos ligados ao amor, ao desejo, ao ciúme, a posse, a autoafirmação, a preconceitos e tabus culturais, sentimentos postos em cena com enorme singeleza.

O cinema do coreano é, por excelência, lúdico. Seu talento lhe permite (re)enquadrar a vida – como nos seus característicos movimentos de zoom -, com uma graça e leveza única. E ainda que A Visitante Francesa seja um filme que denote, mais que os outros – mais espontâneos -, um cuidado e uma construção mais pensada, salta aos olhos de qualquer um que goste de cinema, sobretudo no seu aspecto mais formal, a maneira fácil e fluida com que o cineasta compõe os planos e monta as suas histórias. Hong Sang-soo nos faz acreditar que fazer um filme é a coisa mais fácil do mundo.   

Cesar Zamberlan