Hitchcock
Hitchcock (2012), de Sacha Gervasi
Mesmo tendo como chamariz o nome do grande cineasta, este primeiro trabalho de ficção de Sacha Gervasi tem como centro de suas atenções Alma Reville, a esposa do mestre e colaboradora em todas as fases de sua obra. Gervasi tenta aqui prestar um tributo a essa parceira quase sempre silenciosa e não creditada, mas cujo papel foi fundamental para que Hitchcock criasse sua plêiade de grandes filmes. Aqui se persegue a velha tese na qual “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”.
Retratando um momento-chave na obra do personagem-título, o processo de criação, filmagem e lançamento de Psicose (1960), o filme de Gervaise opta, curiosamente, por não seguir a estrutura do thriller de suspense, gênero-assinatura de Alfred Hitchcock, Apesar das citações “espertinhas” à obra de Hitch que salpicam um roteiro, o que temos aqui é uma estrutura de uma comédia romântica: casal tem uma relação que começa a balançar, briga, separa e se reconcilia. O filme pensa Alfred e Alma como uma reciclagem de Um Casal do Barulho, que ele havia dirigido em 1941.
Curioso ver que o tratamento e a caracterização dados a Alma no filme são de pura inspiração no cinema da Hollywood áurea. Ela, na verdade uma senhora inglesa baixinha e desprovida de encantos, ganha toda a elegância de Dame Helen Mirren, a mais charmosa das grandes atrizes britânicas. Isso contrasta com a maquiagem pesada que tenta tornar Anthony Hopkins o mais parecido possível com seu personagem. Enquanto Hopkins faz uma imitação na qual parece estar pouco à vontade, Mirren é pura leveza.
Dito tudo isso, pode parecer que Hitchcock tenha se configurado num filme que é puro deleite para apaixonados em cinema, versados ou não na obra de Hitch. Infelizmente isso pouco acontece ao longo da projeção. Algumas piadas, citações ou reconstituições das filmagens de Psicose realmente trazem sorrisos prazerosos, mas esses momentos acabam sendo muito poucos. A sequência da primeira exibição, com Hitch regendo a plateia da cabine de projeção pode ser um acerto, mas verdade é que Sacha Gervasi demonstra ser tudo aquilo que o mestre mais desprezava: um mero ilustrador de roteiro, diretor que pouco ou nada cria em termos de encenação e montagem.
Num momento em que a vida pessoal de Alfred Hitchcock parece ter virado alvo de interesse além da sua obra, pois foi lançado recentemente outro filme centrado no momento exatamente posterior ao retratado por Gervasi – The Girl, produção para TV conduzida por Julian Jarrold, que faz um retrato nada simpático ao mestre em sua relação com a atriz Tippi Hedren e é ainda mais decepcionante – tudo indica que assistir aos filmes que ele dirigiu e consultar a extensa literatura sobre ele ainda é a melhor maneira de conhecê-lo. Não sabemos o quanto, em sua vida pessoal, Alfred reconheceu o valor de Alma, mas, apesar das boas intenções de Gervasi, o cinema ainda fica devendo a ela o reconhecimento e o tributo à altura.
Gilberto Silva Jr.
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