HITCH – ANOS 70
Frenesi é, para Hitchcock, um retorno às origens. Primeiro, uma volta à sua Londres natal, mais de trinta anos após ter partido para os Estados Unidos.
Mas o filme é, acima de tudo, um reencontro com o jovem Hitch, com o “young man with a master mind”, como fora chamado após seus primeiros sucessos. Nada de nostalgia aqui, porém. Pois se o velho Hitch – após alguns filmes mal recebidos (quase todos injustamente, diria), tido por muitos como ultrapassado desde meados dos anos 1960 – caminha mais devagar, parece aqui e ali dar um passo atrás, seu olhar é sempre reto, voltado para o que está a sua frente.
O enredo é simples e conhecido: o do falso culpado (de uma série de assassinatos) com todas as aparências contra si. Sua culpa é menor: uma vida – como em todo “homem errado” hitchcockiano – esvaziada. Ele está, desde já, em “suspense”: preso numa espécie de limbo, entre uma salvação desejada e o peso da danação, cada vez mais ameaçadora.
Frenesi é, portanto, um filme que todo admirador de Hitchcock de alguma maneira já assistiu. Mas ao mesmo tempo é uma obra toda nova: os temas são os mesmos, as situações recorrentes, mas o essencial sempre está além do simples acontecer (a história). Está um pouco além da aparência de filme divertido (muito, aliás) mas supostamente um pouco banal. Enfim, a acusação mais típica na carreira de Hitch: muitas vezes também os espectadores e críticos são meio míopes.
E a lição do velho Hitch, ainda uma vez, é tão apenas nos mostrar (ele mostra, não conta nem diz) as coisas como são, nos ensinar a ver: desmontar as aparências (não por acaso um de seus mais belos filmes, pouco lembrado, chama-se A Sombra de uma Dúvida)e fazer coincidir uma coisa e sua imagem. Aliás, o mais belo personagem do filme é a secretária: histérica, ela vê apenas seus preconceitos.
Um belo exemplo de tudo isto é toda a sequência final – não há confissão, apenas uma lógica implacável de acontecimentos filmados, como diriam os críticos dos Cahiers, “à evidência”: toda a verdade aflora a sua simples visão, pela criação de formas (a mise-en-scène) do cineasta. Às vezes parece fácil, mas é trabalho para poucos.
Juliano Tosi
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Trama Macabra
Family Plot, 1976
Em plena década de 70, Hitchcock poderia ser visto como uma das últimas relíquias da época de ouro de Hollywood. Adequar-se aos novos tempos era preciso e essa adequação havia sido bem resolvida no essencialmente britânico Frenesi. Voltando aos EUA, torna a privilegiar o humor com Trama Macabra, partindo de um pressuposto geométrico: dois casais de personagens que a princípio funcionam como linhas paralelas, em algum momento se cruzam, vindo a se encontrar na conclusão. Essa matemática poderia gerar uma frieza que distanciasse o espectador, mas tal expectativa não se confirma. Hitch e o roteirista Ernest Lehman já seduzem desde a cena inicial, com a sessão espírita forjada por Madame Blanche, uma criação digna de antologia de Barbara Harris.
Estabelece-se aí um jogo, cujas regras Hitchcock manipula à medida que sua divertidíssima Trama Macabra se desenvolve, seguindo numa ironia que beira a amoralidade, onde o sequestro de um bispo durante uma missa se configura em momento de diversão suprema. Ainda jogando, continua por nos levar a uma perseguição num cemitério, filmada em plongé, que poderia tanto ser a materialização de um quadro de Magritte quanto a antecipação de um vídeo-game dos tempos do Atari. É nessa fusão de elementos, do novo (o elenco, composto por um quarteto de atores pertinente ao cinema da época) ao antigo (cenas filmadas pelo então anacrônico recurso do back projection, como a hilária descida ladeira abaixo) que Hitchcock desenvolve um filme que depende para sua fruição de um pacto de cumplicidade, coroado pelo último plano desse seu último filme, mostrando uma piscadela de olho da protagonista para a câmera, e, consequentemente, para a plateia. Um breve e derradeiro momento que sintetiza toda uma idéia do cinema de Alfred Hitchcock.
Gilberto Silva Jr.
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