Ano VII

César deve morrer

segunda-feira mar 18, 2013

César Deve Morrer (Cesare deve morire, 2012) De Paolo e Vittorio Taviani

A história dos presidiários da Prisão de Segurança Máxima de Rebibbia na Itália que se tornaram atores famosos graças às oficinas do diretor Fabio Cavalli é, por si só, grandiosa. Um presídio é, por natureza, um lugar à parte do mundo, lugar que, senso comum, deve ser evitado e onde se encontram aqueles que não devem privar mais do convívio com os demais cidadãos por terem infringido as regras que a humanidade construiu para tentar domar e refrear ações e ímpetos que destruam os laços culturais forjados pelos homens há milênios. Buscar a arte, o sublime da arte, nessa ilha de desumanos parece um paradoxo. Mas foi o que ocorreu; e as implicações desta situação geram possibilidades de leitura diversas, em diversos campos. Fiquemos com a leitura dos Taviani.

Levada às telas pelos irmãos Taviani, dupla consagrada que não filmava desde 2005, o filme embaralha diversas representações: a dos prisioneiros atores construindo o texto da peça; a do texto da peça de Shakespeare, Júlio Cesar, falando de um Roma “distante”; a relação desta Roma “distante” com a Itália atual; os personagens sentindo no corpo e lembrando pelo texto da peça a sua própria história; a peça ganhando corpo no espaço do presídio nos ensaios; a peça em sua estreia, entre outras camadas que dão ao texto do filme uma dimensão tal qual a da história real.

Em vários momentos, esta composição em mosaico cria paralelos ou duplos reveladores. Num destes, o ator que faz Brutus hesita diante de uma fala. A fala é: “Se eu pudesse tirar o espirito de tirano de dentro dele, sem cortar o seu peito”, e o ator hesita porque o texto de Shakespeare o faz lembrar a fala de um parceiro diante de um crime que logo cometeria. Mas a fala remete também à própria natureza humana, na qual o mal, a barbárie e a selvageria convivem com a arte, presos no mesmo corpo, tal qual o filme ilustra. Em outro, dois presos modificam o curso do texto de Shakespeare e o ensaio acaba se desdobrando num acerto real de contas.

Há, é verdade, um excesso na música, melosa demais, querendo dizer demais, mas o rigor dos enquadramentos, a força dos primeiros planos, o sentido do texto no espaço físico do presídio e, sobretudo, a forma como o filme é construído, sem contar os atores presidiários, tornam César deve morrer um dos bons filmes do ano.

Cesar Zamberlan

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