Indomável Sonhadora
Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, 2012), de Benh Zeitlin
Quando, em meados de 2005, o Furacão Katrina assolou a costa sul dos Estados Unidos, além de milhares de mortos e desabrigados, deixou uma infinidade de imagens que, até então, dificilmente pertenciam ao imaginário coletivo sobre o país mais rico do mundo. Surpresos, vimos uma população majoritariamente negra, pobre, desamparada. Enfim, registros que parecem mais condizentes com a noção que temos do continente africano do que com aquela que fazemos da pátria de Hollywood e berço do E! Entertainment Television.
Pois Indomável Sonhadora parte desta tragédia para produzir mais uma, entre tantas destas produções recentes que têm faturado prêmios nos mais diversos festivais, inserindo seus personagens em uma cosmologia poética e alegórica de interseção, numa fábula do homem contra a natureza; no caso, de uma menina com seu pai, em um universo quase bíblico e apocalíptico.
Para isso, o estreante em longa-metragem Benh Zeitlin cria uma ilha com habitantes extremamente carentes, chamada “Banheira” que, após a passagem do furacão, fica praticamente toda tomada pelo mar. O enredo é dos mais simples: o pai da pequena garota de seis anos está à beira da morte, e deve ensinar a menina a sobreviver por conta própria, em meio à devastação. Não é a simplicidade do roteiro (nunca é, aliás) que faz deste um dos filmes mais superestimados dos últimos anos. Também não acredito que seja aquilo que poderíamos chamar de uma certa apreciação da pobreza; apesar de que, realmente, o diretor faz deste lugar arruinado, onde tudo é improvisado, uma espécie de parque aquático temático.
Como muitos cineastas debutantes, Zeitlin busca chamar atenção, e com isso cria uma obra barulhenta, com uma câmera constantemente chacoalhando e, talvez por não confiar em suas imagens (honestamente débeis), uma narração onipresente que explicita sua maior influência: Terrence Malick. Desde a estrutura desta fuga episódica, como na obra-prima Terra de Ninguém, às imagens computadorizadas maiores do que a vida, quase abstratas, de A Árvore da Vida, Zeitlin pretende uma filosofia contemplativa que sua necessidade em aparecer (e sua incapacidade pictórica) irá boicotar a cada instante. Onde deveria haver qualquer forma de potência mágica épica, há o simplista embate entre opostos (realidade e sonho, dignidade e desonra, fraqueza e violência, natureza e civilização), atirado ao léu em um simulacro de humanidade.
E se formos pensar ainda naquela que o cineasta chama como uma de suas principais referências, o escritor Herman Melville, a coisa fica ainda mais absurda. Nem de Cormac McCarthy, um dos grandes discípulos do autor de Moby Dick (cuja adaptação em curta-metragem já foi feita por Zeitlin) o filme se aproxima, apesar de seu tema não ser muito distante daquele do último romance do autor americano, A Estrada.
Voltando ao cinema, nem ao lado da versão cinematográfica deste livro, feita por John Hillcoat, Indomável Sonhadora pode estar.
Bruno Cursini
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