Diário Parte 4: Os Dias Com Ele e Nas Minhas Mãos Eu Não Quero Pregos
Diário Parte 4: Os Dias com Ele e Nas Minhas Mãos Eu Não Quero Pregos
Os Dias Com Ele expande as possibilidades do cinema-confessionário de filhos que querem descobrir os pais. Um filme pequeno, já que concentrado na interação (ou falta dela) entre filha e pai e rodado em apenas um espaço físico – a casa dele. Surpreende como a limitação se faz potência nesse documentário de Maria Clara Escobar. É do precário que surgem os momentos mais bonitos e inteligentes do filme.
Carlos Henrique Escobar é o intelectual, filósofo autodidata, autor de Marx – O Filósofo da Potência e Zaratustra (O corpo e os povos da tragédia), preso político e torturado pela Ditadura Militar em 1973. Mas existe outro Carlos: o pai de Maria Clara.
Primeiro ruído do filme: no jogo de encenação que se estabelece entre direção-câmera-personagem, Carlos parece disposto a interpretar apenas o papel do intelectual. Os papeis de pai e de homem que reconta sua história como torturado pesam como um paletó de chumbo. Em vez de domar esse ruído, Os Dias Com Ele dá vasão.
Ela quer que ele fale da tortura, ele lê o trecho de um livro; ela pergunta das imagens da infância, ele pergunta como poderia ter interferido; ela diz que se trata de um filme sobre os dois, ele recua pois não fará o “papel de papaizinho”.
Segundo ruído: o fora do quadro e/ou o plano feio. A câmera se concentra inteiramente em Carlos. Vê-se seu rosto, parte dele ou não se vê nada. Ouve-se sua voz. Nesse aspecto, o que há de precário no filme trabalha a seu favor, não contra. A fuga de Carlos do enquadramento encaixa no desenho de um personagem que se tenta agarrar, mas parece sempre escapar.
Terceiro ruído: o desconforto. Se Diário de Uma Busca, documentário recente que também correu atrás da construção de uma imagem paterna, é uma viagem cinematográfica confortável para o espectador, em Os Dias com Ele há uma busca pelo desconforto. O prazer em assistir ao longa de Maria Clara Escobar é sentir justamente como o incômodo é inteligentemente articulado para ocupar um papel intrínseco à experiência do filme. Não é acidental, nem forçado: ele é.
Se o incômodo da experiência tem uma razão de ser em Os Dias Com Ele, já em Nas Minhas Mãos Eu Não Quero Pregos ocorre o oposto. A menos que eu não tenha percebido alguma vírgula no meio do filme, não há porquê de uma captação de imagem e som tão ruim, que só fomenta a distância para com o filme, o personagem, suas obras. Não há porquê de uma edição tão descuidada. Não há porquê sonegar as esculturas de Maurino Araújo, protagonista do documentário, ao nosso olhar.
Não há um porquê que justifique o tamanho do equívoco que é esse filme.
Heitor Augusto
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