Diário – Parte 2: Mostra Panorama 3 e Ventos de Valls
Diário de Tiradentes – Parte 2: Mostra Panorama 3 e Ventos de Valls
Se a segunda-feira começou bem com o debate sobre Doce Amianto à altura da vontade de cinema do filme de Uirá dos Reis e Guto Parente – com destaque para a exposição inicial do professor Denilson Lopes –, o restante do dia, salvo exceções, não confirmou expectativas.
Não incluo Sudoeste no grupo, já que visto e revisto em São Paulo. Mas tanto a Mostra Panorama – Série 3 e o primeiro longa da Mostra Aurora nivelam-se, no geral, por baixo.
O Tradutor tem vontade de enredo e emoção, mas é bastante desafinado em todas suas esferas de composição. Se fosse bem dirigido e com um roteiro menos problemático, seria ao menos um curta bonitinho, ainda que vazio pela premissa primária – espectador que deseja mudar a história do filme que vê.
Outros três curtas da sessão apostam na transformação da imagem particular, privada e em primeira pessoa ao status de imagem para o mundo, para todos. Só Mauro em Caiena consegue satisfazer a proposta satisfatoriamente: a narração dá mais substância afetiva às imagens sobre um lugar distante que acalenta uma alma em transformação.
Descendo a ladeira, Fui à Capadócia e Lembrei de Você é um cartão postal em movimento que pode servir de presente na esfear íntima, mas não como cinema. No pé da ladeira está Invisíveis, que não é nada e, pior, não faz absolutamente nada com o seu suposto motivo de existir, que é a imagem captada no (falso) espaço da intimidade de três amigos. Para quem vai fazer um filme partindo daí, é preciso tomar conhecimento da existência de Memórias Externas de Uma Mulher Serrilhada, que quer algo além do fetiche da câmera do iPhone.
Encerra a sessão um pouco acima Serra do Mar, que cria um clima de apreensão a partir dos elementos de cenário, mas também não vai muito além disso.
Já o primeiro longa da Mostra Aurora, Ventos de Valls, de Pablo Lobato, é o que melhor parte do espaço íntimo para chegar a um lugar possível de ser compartilhado por muitos. Há nesse longa a experiência reunir a família catalã Panadés, que fugiu da Espanha após a Guerra Civil, em dois espaços distintos: na casa em que moraram no Brasil e na viagem de volta ao país natal.
O filme tem seus momentos. A visita ao terreno abandonado, mostrado como um portal do túnel do tempo, é um deles. As histórias sobre eventos do passado – o assassinato do pai, a chegada à nova terra – também. Mas há dois aspectos bastante incômodos em Ventos de Valls.
Primeiro, o desnível entre a imagem pensada – a natureza, os espaços físicos – e a do registro do momento – reunião da família, evento cultural na cidade natal. Com a primeira há o plano cinematográfico, há um porquê; na segunda, há os zooms descabidos, o close sem sentido no olho ou a câmera que não sabe encontrar o seu lugar na intimidade da família.
Segundo, o elo da memória que relaciona passado e presente na figura da pequena Ana. Crianças fazendo criancices na frente da câmera serão quase sempre engraçadas ou símbolo de ternura. Mas em Ventos de Valls formam-se dois filmes – o dos velhos e a da criança – que raramente se encontram. Há dois momentos em que a questão da memória pela menina Ana se justificam: o avô contando uma história do passado e a criança reencenando a chegada dos avós no Brasil do jeito que ela consegue.
No geral, porém, há a banalização – exemplo máximo é a inteiração de Ana com outra criança assustada. Plano longo e divertido, mas inútil dentro do restante do filme.
Heitor Augusto
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