Ano VII

Abertura: Paraíba vai ao centro

sábado jan 19, 2013

 

Mostra de Tiradentes – Abertura – Paraíba vai ao centro

Fora do centro é o eixo temático que a curadoria propõe para esta 16ª Mostra de Tiradentes. Estabelecê-lo como tema é mais uma formalização do perfil recente da mostra do que uma descoberta repentina de que algo fora do centro – entendendo-o tanto como localização geográfica como esquema de produção – está sendo feito.

A próxima semana vai responder para onde ainda é possível expandir a compreensão desse conjunto de filmes para além do que já se refletiu desde que a produção coletiva, a ação entre amigos e a divisão da autoria tornaram-se condição sine qua non de sobrevivência de filmes em locais que o hiato é um fantasma próximo.

Trazer para a noite de abertura um longa da Paraíba, estado que voltou a apresentar maior constância na produção, especialmente de curta-metragem, tentando romper com o traço de idas e vindas, de evolução e involução, é bastante interessante, um dado que precisa ser notado. Mas que não surge do acaso, já que desde 2000 aumentou a circulação de curtas, paraibanos.

De Carlos Downling vale lembrar o que há de divertido na filosofia de A Sintomática Narrativa de Constantino. Num outro registro mais sertanejo e tradicionalista há A Canga, de Marcus Villar. Há outros filmes de veteranos, como Homens, de Bertrand Lira e Lucia Caus, e Ikó-Eté, de Torquato Joel.

Mais recenemente, a popularização do digital ampliou não só a quantidade, mas os tipos de filmes feitos. Apareceu o cinema de gênero, seja o de produção mais sólida – O Hóspede, o melhor realizado entre os curtas citados neste texto – ou o que se organiza com o que tem – Mais Denso que Sangue. Ou, numa dramaturgia bastante distinta, há Felizes são os Peixes.

O próprio Taciano Valério, diretor de Onde Borges Tudo Vê, longa de abertura em Tiradentes, já havia realizado outros três curtas. Ou Tudo que Deus Criou, de André da Costa Pinto, longa exibido no Olhar de Cinema, em Curitiba, em 2012. É bastante interessante que filmes novos sejam produzidos e que circulem – ainda que falar sobre circulação de cinema brasileiro seja algo complexo, que disperte paixões e ódios. Isso no momento em que renasce também um esforço em preservar a memória: o Núcleo de Documentação Cinematográfica da UFPB está restaurando filmes entre 1970-89, abarcando especialmente a produção em Super-8.

O que despertou a vontade de fazer esse brevíssimo apanhado recente é a percepção de que, apesar de ter visto um número razoável de curtas feitos na Paraíba, nunca os havia sistematizado, percebido seu conjunto, tal como já se faz, naturalmente, com a produção cearense, mineira, pernambucana. Talvez a abertura da mostra com Onde Borges Tudo Vê tenha justamente atentado para que a produção recente paraibana não é tão sazonal quanto parece.

Sobre o longa de Taciano Valério, prefiro comentá-lo quando assistir ao seu outro filme, Ferrolho, que compete na Mostra Aurora.

Homenagem

Pessoalmente, Simone Spoladore é de uma beleza cinematográfica que espanta, um rosto que parece ter sido moldado para um enquadramento, para a câmera. Ela, atriz de filmes sérios e bastante próxima a longas de narrativa fabular, é a homenageada deste ano. Serão exibidos Nove Crônicas para um Coração aos Berros, A Memória que Me Contam e Sudoeste, num recorte que privilegia o que ela fez recentemente no cinema, não o que fez de melhor.

No geral, produz-se um número razoável de reflexões sobre o ator no cinema da Retomada – um dos textos do Dossiê Brasil: 1992-2012 nesta revista aborda justamente isso –, mas não da atriz. Tornou-se lugar comum olhar para Lázaro Ramos, Wagner Moura, João Miguel, Selton Mello e Irandhir Santos como um conjunto. O mesmo não se aplica a Spoladore, Leandra Leal, Dira Paes, Hermila Guedes.

Por que? Faltam relevantes papeis femininos de protagonistas? Os filmes que elas fizeram não motivam uma reflexão mais atenta? Os filmes com protagonistas masculinos circularam mais e foram mais vistos? 

Heitor Augusto

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