Jack Reacher
Jack Reacher (2012), de Christopher McQuarrie
Produto desta bem-vinda leva de produções com ar oitentista, que vem para combater a praticamente onipresença de adaptações de quadrinhos nos multiplexes, Jack Reacher é um filme de ação que consegue, em seus melhores momentos, misturar um tom cartunesco com breves comentários políticos, devidamente diluídos em litros de sangue, sejam esparramados em decorrência de seguidos pontapés ou da abundante utilização de gigantescas e variadas armas de fogo.
Tom Cruise é o protagonista, um veterano de guerra brilhante que o governo dá como desaparecido. É o nome dele (no caso, Jack Reacher) que um outro ex-militar escreve ao ser acusado do assassinato de cinco civis, em frente ao estádio de beisebol do Pittsburgh Pirates. Após isso, o suspeito é espancado até entrar em coma e duas questões se impõem: o que teria Jack Reacher a ver com a situação? Como localizá-lo para saber?
A primeira pergunta será respondida aos poucos, ao passo que a seguinte é imediatamente esclarecida: ninguém acha Jack Reacher, ele surge quando e onde bem entender. E, como uma aparição, ele adentra a sala das autoridades, antes de envolver-se com a advogada de defesa e tentar, de qualquer maneira, provar a inocência de seu antigo colega (e grande desafeto, na realidade).
É claro que dessa maneira é dado início a uma trama recheada de reviravoltas, perseguições e tiros, mas o fato é que esse trabalho despretensioso diz mais a respeito do comportamento e da mente americana do que um filme que tenta martelar, seguidamente, seu viés político como vimos recentemente em O Homem da Máfia, com suas irritantes imagens de políticos em discursos na tevê (quando tudo o que o seu diretor, Andrew Dominik, queria dizer é bem resumido em sua cena final).
Aqui, pelo contrário, vemos a paranoia de uma nação beligerante por definição, bem como seu apreço e necessidade pela figura do super-herói à margem da sociedade: Jack Reacher é um homem à antiga, um cidadão fantasma que prefere se confundir em um ônibus ao vestir um capuz ou uma cueca por cima da calça. É por entre diners barulhentos, brigas de rua, clubes de tiro ao som de música country e lojas de departamento que sua verdade se encontra.
Não que o filme seja subversivo, longe disso. A bela advogada de defesa (com quem, evidentemente, Jack irá se envolver) é filha do promotor e chega um momento em que fica claro que ou o seu pai, ou o policial responsável pelo caso, está envolvido neste imbróglio, e a solução disso é emblemática: o segundo é o traidor. No cinemão contemporâneo americano é permitido exibir a corrupção e a falência de todas as instituições, menos daquela mais nuclear: a família.
Em um momento, quando a advogada narra ao destemido justiceiro a razão pela qual cada uma das cinco vítimas estava no local do massacre, todas as suas respostas têm em comum uma necessidade de reforçar o seio doméstico. Jack vê o outro lado da coisa: um homem não compra flores para dar à sua esposa antes de ir trabalhar, mas no caminho de volta à sua casa; portanto, talvez ele encontrava-se sentado no banco para encontrar sua amante, e não contemplando uma eventual reconciliação com sua mulher, na hora do jantar.
Após isso, reforçar a ideia colocando o pai da idealista advogada como inconfidente seria demais a esse divertido filme de mocinhos e bandidos. Flertar com a ideia (e com um cinema de imagens, como na longa sequência de abertura, praticamente ausente de diálogos) já está de bom tamanho, ainda mais quando temos um dos mais canastrões vilões recentes, na pele do inconfundível Werner Herzog, sempre em aparições divertidíssimas: em sua primeira cena, quando ele explica a razão de ter comido sua própria mão, Jack Reacher começa de vez pender ao absurdo. E ao simples entretenimento, do mais banal possível, como não se vê nestas imensas bobagens solenes pós-O Senhor dos Anéis e os Batmans de Christopher Nolan.
Bruno Cursini
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