Ano VII

Além das Montanhas

sexta-feira jan 11, 2013

Além das Montanhas (Dupa Dealuri, 2012), de Cristian Mungiu

Cristian Mungiu está em alta no Festival de Cannes. Em 2007, conquistou a Palma de Ouro por 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias.  Seu mais recente longa, Além das Montanhas, foi contemplado com palmas para suas duas atrizes principais, Cosmina Stratan e Cristina Flutur, além de ter ganhado como melhor roteiro (do próprio Mungiu). Tais premiações dizem muito pouco das qualidades cinematográficas dos dois filmes, mas contribuiram, certamente, para a grande procura do último na 36ª Mostra SP. Sala lotada para ver um filme de duas horas e meia de duração, sobre freiras isoladas num paraíso montanhoso e envolvidas em um suposto caso de possessão demoníaca. A questão agora é saber se o filme ainda têm fôlego para uma boa performance no circuito. Independente disso, é um dos melhores exemplares dessa superestimada nova onda do cinema romeno.

Por causa do tema, é grande a tentação de comparar Além das Montanhas ao clássico polonês Madre Joana dos Anjos, de Kawalerowicz. Mas tal comparação é prejudicial ao novo filme, principalmente porque Mungiu, apesar de ir muito bem no trabalho com o espaço no formato scope, fica muito longe do que Kawalerowicz conseguiu com a verticalização do aspecto 1.37:1. Mais útil por enquanto é compará-lo a Homens e Deuses, filme de Xavier Beavois que mostra uma comunidade religiosa, igualmente isolada, às voltas com terroristas. Isso porque os dois filmes trabalham com liturgias e com a horizontalidade coordenando a dimensão espacial dos planos. Na comparação, fica evidente que Mungiu é um diretor melhor que Beauvois, sobretudo porque consegue passar uma noção de atmosfera utilizando-se de pequenas correções de enquadramentos, motivadas sempre pela movimentação das atrizes. Há rigor na encenação, mas esse rigor é submetido à liberdade das atrizes, o que não impede que o registro seja frio, quase científico.

Além das Montanhas é uma história de possessão, como já mencionado, mas a possessão é demoníaca apenas para os personagens dentro da história. Para nós, espectadores, fica claro, desde as primeiras cenas, que a possessão é na verdade desejo sexual reprimido. De Alina por Voichita, sendo que esta última a trocou por Deus na escala de preferências, e com a dura concorrência, é óbvio que Alina iria pirar mais cedo ou mais tarde. O filme de Mungiu, contudo, equilibra-se na corda bamba durante boa parte de sua duração, principalmente porque não deixa que o desequilíbrio de Alina desmanche a frieza das imagens. Sabemos de um surto de Alina por alguma outra irmã, e chegamos à cena quando o surto já diminuiu ou passou completamente. Quando começamos a testemunhar os surtos enquanto eles acontecem, o filme ganha impacto, desestabiliza-se junto da moça e atinge momentos impressionantes.

Alina é como a Natalie Wood de O Clamor do Sexo, obra-prima de Elia Kazan. Não sabe o que fazer com o desejo reprimido. Passa por louca, porque as pessoas ditas sérias sempre tiveram dificuldade para entender a paixão e o instinto sexual. E Alina é um furacão deslocado de seu habitat natural. O sexo, dentro de um convento, é coisa do demo. A frieza do ambiente e das imagens, nesse sentido, é mais um elemento a aprisionar essa personagem, e sua libertação é a do filme também.

Sérgio Alpendre

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