Hahaha
Hahaha (Coréia do Sul, 2010), de Hong Sang-soo
É com uma série de fotografias em preto e branco que começa Hahaha, o décimo longa-metragem de Hong Sang-soo, um dos maiores e mais prolíferos cineastas contemporâneo (não apenas da Coréia do Sul). Com esses retratos, brevemente, ouvimos um calmo piano enquanto vemos dois homens andando e, principalmente, bebendo e fumando ao redor de uma mesa. Tanto estas imagens estáticas quanto esses breves instantes de música serão retomados intermitentemente.
Quando a história passa a ser de fato contada, através dos fashbacks destes dois amigos, Jo Munkyung, um cineasta em crise, e Bang Junshik, um crítico de cinema, que prometem só falar sobre bons momentos (tornando o que já seriam dois relatos necessariamente subjetivos ainda mais parciais), compreendemos aos poucos a ironia da situação: apesar de ambos terem passado um mesmo verão na cidade portuária de Tongyeong, só nós, cúmplices, verificamos a presença das mesmas personagens femininas em suas pequenas aventuras afetivas.
Tal premissa serve quase de um sutil comentário-defesa de seu realizador, muitas vezes acusado de simplesmente filmar conversas: pelo puro intermédio delas, seus personagens não chegam ao que, pelas imagens, nos é evidenciado. Pois se a habilidade de Hong em criar diálogos e situações auto-suficientes é de fato inegável, seu cinema existe pelo domínio em inseri-los irremediavelmente em um tempo e lugar bastante definidos e inescapáveis. Em jogo está o mundo e seu movimento, cíclico o bastante para nos confundir.
A forte presença do mar, tanto neste quanto em seus outros filmes, ressalta tal instabilidade, e aqui, para isso, temos dois momentos em particular, em uma embarcação, cada qual com um dos protagonistas: o primeiro, no começo, quando o crítico está com um amigo, sentado, olhando lateralmente, para a paisagem e para uma bela mulher; e o outro, quase no final, muito mais desalentado, com o cineasta, sozinho, não por acaso olhando para trás, para baixo, constatando o forte rastro de água que logo desaparecerá no oceano.
Quem já viu qualquer coisa de Hong (ao menos após seu segundo título, O Poder da Província de Kangwon), não encontrará aqui muita novidade temática ou formal. Nem as imaturidades obsessivas de seus protagonistas nem as simetrias fundadoras de seus contos surgirão como revelações. O prazer inegável de Hahaha, portanto, reside no contínuo trabalho exemplar de moderação narrativa, através do qual o diretor consegue inserir pequenas modificações nestes mesmos – e parcos – enredos e sínteses, transformando-os em um familiar e recreativo gracejo intelectual e emocional com seus interlocutores ou, no caso, seus espectadores – pois Hahaha é a prova de que não há outro formato possível para a arte de seu realizador.
É verdade que este não encontra-se entre seus melhores momentos, e suas maiores forças (descritas acima) estão certamente aprimoradas em The Day He Arrives ou Como Se Você Soubesse de Tudo, para nos restringirmos aos exemplos mais recentes. Não é o suficiente, no entanto, para tirar o brilho desta estreia do cineasta em nosso circuito comercial (e vale lembrar que seu último filme, In Another Country, com Isabelle Ruppert, não passou em nenhum festival no Brasil). Brilho esse que vem de uma capacidade, praticamente sem par entre os cineastas surgidos nos últimos vinte anos, de devoção e cuidado às idas e vindas cotidianas, encontrando um meio-termo algo raro no trato com seus personagens, nunca os deixando condescendentemente humanos ou demasiadamente fantoches.
Com isso, Hong confecciona cuidadosos e sofisticados emaranhamentos narrativos ausentes de psicologizações mera e superficialmente dramáticas. Cria, sobretudo, uma obra (Hahaha e, por consequência, sua filmografia) que resiste em nossa memória à maneira de uma boa lembrança já tranformada pelo tempo, que dela nos separa cada vez mais: agradável, ainda que fugidia e, em retrospecto, um tanto melancólica e confusa, por isso viva, apaixonada.
Bruno Cursini
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