Ano VII

O Prisioneiro da Grade de Ferro

segunda-feira dez 17, 2012

O Prisioneiro da Grade de Ferro (2004), de Paulo Sacramento

O documentário representa hoje uma parcela muito significativa na cinematografia brasileira. Desde a última década, de forma maciça, inúmeros exemplares do gênero são produzidos e descarregados em festivais e no circuito, muitos deles trazendo estruturas problemáticas ou polêmicas de ordem ética. Aos novos documentaristas parece faltar uma melhor distinção sobre o que filmar e como filmar.

O primeiro caso pode ser explicado, em parte, pelas regras dos editais de patrocínio público. Basta uma ideia edificante e de cunho social na cabeça e uma câmera na mão para que o projeto comece a se desenvolver. O mais grave acontece quando o objeto de estudo é tratado de forma inadequada, inconsequente, às vezes rasteira, com os realizadores não tendo a real dimensão do que promoveram. Como visto na amostragem da miséria alheia em Estamira (Marcos Prado, 2004), na sessão de terapia pessoal de João Moreira Salles em Santiago (2007) ou com os calouros do programa do Chacrinha, ridicularizados em Alô, Alô Terezinha (Nelson Hoineff, 2009).

Paulo Sacramento resolve parte desses problemas em O Prisioneiro da Grade de Ferro (2004), compartilhando a análise com o próprio objeto do filme. Após participar de oficinas de vídeo administradas pelo diretor, alguns internos da unidade prisional do Carandiru foram capazes de registrar o seu cotidiano dentro dos muros e das celas do presídio, durante os sete meses que antecederam à demolição daquele que, então, era o maior complexo penitenciário da América do Sul.

Diferentemente do que ocorre em Estamiras e Santiagos, aos detentos é oferecido o papel de sujeito da ação, com a câmera percorrendo os corredores da prisão, focalizando toda a privacidade desses homens recolhidos do convívio com a sociedade. Mais do que Hector Babenco conseguiu em Carandiru, lançado no mesmo ano, o documentário de Sacramento, com todas as figuras mostradas, acaba por criar um rico painel da condição humana rebaixada, porque ao contrário do cineasta argentino, não se vale de situações excessivamente dramáticas ou de personagens exagerados para o seu desenvolvimento. A presença do médico Drauzio Varella, autor do livro que deu origem a Carandiru, que aparece dando assistência médica a alguns presidiários, é o que existe de maior semelhança entre esses dois longas.

Pode-se discutir a decisão de Paulo Sacramento ao escolher quais histórias e quais detentos terão mais espaço em O Prisioneiro da Grade de Ferro, afinal a vontade final é reservada ao cineasta. Mas é a escolha do registro dos presos filmando os acontecimentos do seu dia-a-dia (as partidas de futebol, os shows de hip-hop, os cultos a Deus e ao Diabo, a produção de bebidas, o tráfico de drogas, a infestação de ratos …), que dá uma dimensão maior ao filme.

Leandro Cesar Caraça

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