Ano VII

Eduardo Coutinho, cineasta

segunda-feira dez 17, 2012

Eduardo Coutinho, cineasta

De Boca de lixo (1993), passando por Santo Forte (1999), Babilônia 2000 (2000), Edifício Master (2002), Peões (2004), O fim e o princípio (2005), Jogo de Cena (2007), Moscou (2009) e chegando aos recentes As canções e Um dia na vida (2011) o cineasta Eduardo Coutinho não contemplou temas de modo muito sistemático, chegando, inclusive, a abrir mão de um tema como ponto de partida em O fim e o princípio. Não que os temas norteadores não fossem importantes (são fundamentais, especialmente importantes em Santo Forte e Peões), mas serviram como prerrogativas não de reconhecimento, no sentido de buscar uma abrangência definidora de questões nas quais se localizariam os personagens, mas de conhecimento, de modo a não limitar os filmes a procedimentos descritivos, hipóteses e conceitos de qualquer natureza. É um conhecimento que se dá no “entre” relações, que não despreza fatos de quaisquer naturezas, mas tenta esmiúça-los para além das informações mais corriqueiras ou de protocolos mais ortodoxos do documentário.

Eduardo Coutinho como qualquer outro cineasta não é unanimidade, mas, no entanto, sua fortuna crítica na última década dá a impressão de que ele se tornou o autor central no cinema brasileiro, cineasta depositário de certas expectativas que responderiam aos repertórios de uma série de estudiosos do documentário contemporâneo. Desde Santo Forte houve um empenho dos estudiosos em se estudar a crise das fronteiras entre as estratégias da ficção e a enunciação do real nos seus filmes, assim como o seu aparato técnico e os métodos singulares (Coutinho depois de Santo Forte se tornou um paradigma da realização em tecnologia digital) de sua obra desde então. Eduardo Coutinho, para o bem e para o mal, se tornou um dos modelos do documentário atual. Sua obra problematiza o documentário como elemento que estimula, não neutraliza, uma auto fabulação dos personagens.

Mas há também quem não goste dele. Estes não veem o diretor como um artista criador, mas sim um hábil entrevistador que consegue incitar empatia do público com os personagens. Estes acreditam no cinema como mera criação formal, por isso Coutinho seria somente um agenciador da matéria do real. Bobagem é claro, como também é bastante redutor engendrar uma discussão sobre seu cinema usando alguns parâmetros muito estreitos do estudo do documentário, ou simplesmente, de modo arbitrário, desconsiderando algumas distinções importantes entre ficção e documentário.

O fato é que diretor foi o que melhor soube extrair de seu aparato efeitos expressivos, soube também, por meio dele, impor métodos singulares que alcançaram resultados que, se não funcionavam bem sempre, nunca deixaram de ser admiráveis pelos resultados que apresentavam. Coutinho é um dos poucos cineastas que podemos dizer que não cessa de usar a câmera como real instrumento de pesquisa. Seu cinema realiza uma cartografia humana, que vai com desenvoltura do imponderável à farsa, e vice-versa, nunca criando polarizações simples entre o que seria supostamente autêntico e o que não seria. Trabalha em uma – digamos – dialética emocional.

O que Coutinho parece documentar (e nisso ele é particular) é o movimento das subjetividades. Pode-se dizer, com justiça, que alguns dos grandes cineastas de documentário alcançam isso. Sim, é verdade. Porém, os filmes de Coutinho expõem os paradoxos das subjetividades. Ele não faz análise de comportamentos (o que seria deplorável), mas como um metteur en scène usa como molde das máscaras dos personagens suas próprias feições, por isso nada mais natural que a aproximação recente dele com o teatro.

Por fim, é importante dizer que se As Canções revelam o esgotamento de um modelo, Um Dia na Vida abre outras veredas, indica outros caminhos. Se até As Canções ele conseguiu descortinar o imaginário dos personagens e de seus universos, Um Dia na Vida revela um outro tipo de construção do imaginário com uma configuração simbólica diferente de seus trabalhos anteriores. Eduardo Coutinho é hoje, junto de Júlio Bressane, nosso cineasta mais inquieto.

Francis Vogner dos Reis

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