Breves notas sobre o horror brasileiro
Breves notas sobre o horror brasileiro
O horror é um gênero recorrente no cinema brasileiro desde pelo menos os anos 1960, e foi explorado intensamente entre meados dos anos 1970 e começo dos 1980, principalmente no cinema erótico. Depois disso, viu sua importância diminuir rapidamente, até quase desaparecer nos primeiros anos da retomada.
Mas esse panorama parece ter mudado nos últimos dez anos, e por várias razões. O objetivo deste texto é apenas apontá-las.
1. A volta do Mojica
Um marco recente para o horror brasileiro foi o retorno em grande estilo de José Mojica Marins às telas nacionais. A produção de 2008 A Encarnação do Demônio tentou inserir o cinema de Mojica nas tendências internacionais então em voga, como torture porn, relembrando o pioneirismo do cineasta na dramaturgia da violência explícita.
Mesmo que o longa tenha sido um fracasso comercial, pelo menos recolocou o cinema de horror brasileiro na mídia – que foi até muito benevolente com o filme e com seu diretor, pela primeira e única vez em 50 anos – e manteve a visibilidade para Zé do Caixão, que ainda é nossa maior estrela do gênero.
2. Os curtas-metragens
A segunda novidade importante para o gênero no Brasil nos anos 2000 foi o impacto dos curtas-metragens desde o final dos anos 1990, realizados em grande número no país todo, e que conquistaram êxitos inquestionáveis.
Entre eles, há que destacar os de Dennison Ramalho, Amor só de mãe, de 2003, e Ninjas, de 2009, que mostraram um potencial de intensidade e violência para o horror nacional que ainda não foi resolvido nos longas recentes.
Outros nomes importantes que surgiram nos anos 2000 foram os pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Daniel Bandeira, os paulistas Juliana Rojas, Marco Dutra, André Kapel Furman, Fernando Ricky e Joel Caetano, o gaúcho Fernando Mantelli, entre dezenas de outros bons cineastas, vários deles já introduzidos no seleto mundo do longa-metragem.
3. A Internet e o Digital
A chegada das tecnologias digitais e da Internet produziram talvez a maior mudança recente no universo do horror brasileiro. Pois, além de permitirem a entrada massiva de novos realizadores no mercado, com inúmeras produções independentes (inclusive de longa-metragem), elas também colocaram essa gente toda em contato, o que tem dado origem a produções conjuntas que ainda podem dar muito o que falar.
Entre os filmes de horror independentes a destacar, temos o capixaba Rodrigo Aragão (Mangue Negro, de 2009, e A Noite do Chupacabras, de 2011) e o paranaense Paulo Biscaya Filho (de Morgue Story, 2009, e Nervo Craniano Zero, 2012), todos premiados em festivais brasileiros e estrangeiros, e que cumpriram a tarefa de inserir o horror brasileiro num circuito que até há bem pouco tempo só conhecia os filmes de Mojica, e olhe lá.
4. Os festivais
Outra novidade foi o surgimento de festivais específicos de cinema fantástico e de horror em várias cidades do Brasil. Só para ficar com os principais, temos o Cinefantasy em São Paulo, o RioFan, no Rio de Janeiro, e o Fantaspoa em Porto Alegre, todos com mais de cinco anos de vida.
Além de dar destaque para o gênero e de trazer realizadores do mundo todo para trocar filmes e experiências com os brasileiros, esses festivais exibem uma enorme quantidade de filmes de horror nacionais, do curta ao longa-metragem, com notável aceitação por parte do público. E essa aceitação serve até para filmes assumidamente trash, como os do catarinense Petter Baiestorff (que trabalha com cinema independente desde os anos 1990) e do gaúcho Felipe Guerra, que têm ganhado cada vez mais destaque no cenário cinematográfico nacional.
5. A quinta novidade é, na verdade, uma especulação.
É que, recentemente, tenho notado certa atmosfera de horror em filmes brasileiros bem distantes do gênero. Trata-se de obras que tematizam questões nacionais atuais e que não dão muito espaço para a fantasia, mas ao mesmo tempo exploram momentos de desorientação e suspense próximos de alguns filmes de horror.
Paira uma atmosfera sobre eles que – não sei ainda se por impressão minha ou por intenção dos autores – lembra certas experiências limítrofes com o horror como as de Lynch e Haneke, por exemplo.
Refiro-me particularmente a Os famosos e os duendes da morte (Esmir Filho, 2009), Os Inquilinos (Sergio Bianchi, 2009),Trabalhar Cansa (Juliana Rojas e Marco Dutra, 2011) e O Som ao Redor (Kleber Mendonça, 2012). É claro que esses não são filmes de horror, mas me parecem articular, em seu vasto repertório, elementos de um gênero que talvez tenha algo a contribuir para a compreensão de alguns aspectos ainda não resolvidos das tensões sociais e individuais que vivemos em nosso país.
Mas esse é um assunto que quero retomar mais adiante.
Laura Cánepa
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