Sudoeste
Sudoeste (2011), de Eduardo Nunes
Num ano particularmente fraco no circuito comercial para o cinema brasileiro, a chegada de Sudoeste é um alento que torna menos árdua a caça por bons filmes para a confecção das listas de melhores do ano.
O otimismo, porém, para por aí. Não por causa do filme, que fornece material para conversas mais extensas, mas pela esquizofrenia na distribuição e exibição de cinema no Brasil. Sudoeste é o tipo de produção que nem num cenário ideal e saudável do mercado se faria no primeiro fim de semana. É filme para boca a boca, de avais pessoais. Tempo para manter um filme em cartaz é moeda rara. Basta lembrarmos que na última década o circuito dito de arte paulistano encolheu, perdeu pelo menos treze salas.
Sabemos que Sudoeste deverá passar invisível pelo circuito. Curioso que, apesar do diagnóstico obviamente melancólico deste texto, trata-se de um filme que, se não é solar no conjunto, abre uma grande janela em sua parte final. Ao propor para o espectador fechar os olhos e imaginar o som da chuva, Sudoeste mostra sua crença em quem tem abandonado o cinema – o espectador.
Tem-se nele uma fábula de mão dupla. Ao mesmo tempo que desenvolve como tal, o longa-metragem deixa brechas para questionarmos o status da fábula como narrativa capaz de comunicar e sensibilizar indivíduos de um mundo dominado pelo ultrarrealismo nas artes. Como acreditar numa menina natimorta, mas que nas cenas seguintes brinca com um menino chamado João? Como acreditar numa relação passado-presente-futuro que não é estanque, mas dialética, interdependente, borrada? Como crer na Clarice cuja fisionomia é ora infantil, ora adulta, ora idosa?
O que Sudoeste atira na tela, sem ser dogmático, é isso: é preciso recuperar a capacidade de encantamento na imagem, desarmar-se de pré-concepções. Eduardo Nunes e seu filme não estão sozinhos neste diagnóstico. Com Tabu, Miguel Gomes abriu algumas portas de leitura do seu Paraíso Perdido e Paraíso. Uma delas é justamente a esperança em recuperar a inocência do espectador. Não se trata de emular um cinema ido, mas de resgatar um jeito de viver a experiência do cinema: um espectador mais disponível a acreditar no que não é lógico ou verossímil.
Não à toa o título do longa de Nunes remete a uma localização geográfica que está no intervalo dos pontos cardiais. Nem sul, nem oeste: sudoeste. Assim são os eventos do filme e seu tratamento narrativo: não é nem real, nem de mentira, senão os dois juntos.
Há também em Sudoeste uma colocação constante sobre a passagem do tempo, visto como um rio com desvios. A personagem da preta velha resiste manter no presente um misticismo olhado de rabeira pelo povoado no filme, e a de Simone Spoladore vai e volta no filme para fazer a união do corpo com a alma.
Existe uma marcante citação à cena final de O Sacrifício, mas seria injusto acusar Sudoeste e seu diretor de “sub-Tarkóvski”. Nunes trabalha com uma fábula que mistura a corrente temporal e é bem menos rígido que Tarkóvski na lida com os atores em cena, seus deslocamentos dentro do quadro.
Heitor Augusto
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