Baile Perfumado
Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira
O sertão sonoro de Baile Perfumado é outro, diferente do Cinema Novo. A voz e o violão de Sergio Ricardo, essência musical do universo glauberiano, são substituídos por Chico Science, Fred04, Lúcio Maia e Siba: a rabeca convive com a guitarra distorcida. Mais do que ilustração das cenas, a trilha sonora atua como discurso, revelando um posicionamento frente a esse lugar mítico do cinema. Baile Perfumado é um filme pop-sertanejo.
Esse hibridismo musical é também reforçado pela imagem. O filme tem abundância de água, apesar de recriar os passos do maior de todos os cangaceiros, Lampião, e seu registro em imagem cinematográfica pelo cinegrafista libanês Benjamim Abraão. Cenas no rio e movimentos rasantes de câmera, banhados pela guitarra, que explicitam o volume da água.
O que Baile Perfumado faz é tratar cinematograficamente a proposta do hibridismo que o Mangue Beat tinha com a música: a retomada do tensionamento tradição X modernidade.
Esse enfrentamento geográfico e cinematográfico com o sertão que o filme propõe viria a rondar a obra a posterior de alguns realizadores ligados ao longa. Lírio Ferreira retomaria um sertão pop-secular em Árido Movie; Marcelo Gomes o filtraria pela profusão de claridade em Cinema, Aspirinas e Urubus ou pelo sentimento em Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo; Paulo Caldas o apresentaria como o lugar dos abusos em Deserto Feliz.
A revisão mais fria de Baile Perfumado torna mais límpido tanto o que ele tem de potência quanto de fraqueza. A ânsia pela originalidade levou também a uma afetação estética e uma antropofagia mal digerida de estilos. Baile Perfumado tem momentos surreais, documentais, de road movie, policial e drama histórico, um tudo tanto que desequilibra. O exagero é ontológico à direção deste longa.
Essa profusão é ora genial e vigoroso (as elipses da parte final e a figura impávida de Lampião vista por uma aérea no topo da montanha), ora cansativa (o “depoimento” à polícia de um transeunte), ora risível (a cena do tenente com Benjamin filmada com a câmera deitada no chão, enquadrando os atores de baixo para cima, maneirismo completamente desnecessário).
Um filme que quer tudo-neste-momento-agora, reflexo de uma inocência juvenil que, passados os anos, olhamos com um cinismo agridoce (“como éramos jovens”). Sem ela, porém, é praticamente impossível tornar-se adulto.
Não fosse por ela, talvez Pernambuco não tivesse se tornado o espaço de produção do qual mais aguardamos com expectativa a chegada de um filme.
Heitor Augusto
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