Ano VII

Era Uma Vez Eu, Verônica

quarta-feira nov 28, 2012

Era uma vez eu, Verônica (2012), de Marcelo Gomes.

Por uma série de motivos, e alguns bens óbvios como a presença de Hermila Guedes e de João Miguel, além da amizade entre os cineastas, é bastante tentadora a comparação entre O Céu de Suelly de Karim Ainouz e Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes. Mas os pontos de disjunção entre as obras me parecem mais interessantes que os pontos de contato, sobretudo, a forma como “Suelly” e Verônica se constituem em relação ao mundo exterior.

O último plano de Era uma vez eu, Verônica, neste sentido parece bastante significativo. O plano que remete ao inicio do filme traz o corpo nu de Verônica e amigos boiando no mar, tendo ao fundo, distante, Recife, ou seja, o urbano. A ideia do corpo físico separado do corpo social faz deste plano uma síntese do filme. E, se para a Suelly de Ainouz, o céu representava a possibilidade de um outro lugar, a tão falada distopia que marcou boa parte dos filmes brasileiros nestes últimos 20 anos, o mar, o boiar, o estar solta, mas não totalmente à deriva, é a marca de Verônica nesse momento de construção e constituição dela enquanto ser num mundo assumidamente doente.

A aceitação de si, ainda que infeliz, imatura, contraditória, e, sobretudo, do espaço, é um dado de certa forma novo. Verônica aprende a viver ali, doente entre os doentes, paciente como e com o que a cerca. Não foge, não busca outro lugar, outro mundo; busca, quando muito, o mar, o mar ali do lado, e mesmo que a vista da cidade esteja ao alcance dos olhos.

Esta maturidade construída pela personagem reflete também, se não numa maturidade do cineasta e de um certo cinema com o seu tempo ou momento – ideia que que pode e de certa forma soa forte, ingênua e até pretensiosa -, um outro caminho e um outro olhar.

Depois de dois filmes nos quais os personagens estavam embalados esteticamente por uma pretensão formal embelezadora, Marcelo Gomes faz um filme mais sujo, irregular é certo, mas que parece apontar para um outro olhar da câmera e um outro olhar da personagem para o mundo. Neste filme, parece mais colado à personagem, assumindo o corpo dela como o corpo do filme e a busca tateante de Verônica como a busca do filme. E essa junção, ainda que não de todo bem sucedida, é de uma verdade que é oposta a de filmes como Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo que buscam a beleza no exótico, no feio ou busca qualquer coisa que possa existir plasticamente, e de uma maneira intensa, ingênua e, sobretudo, artificial. Os textos em primeira pessoa que acompanham os personagens são neste contexto igualmente reveladores. Em Viajo Porque Preciso… , ele é poético, serve ao filme mais que ao personagem, em Verônica ele é mais carne da personagem, bobo e imaturo até, como ela, assumidamente e humanamente, é.

Ainda que não seja um grande filme, Era uma vez eu, Verônica, tem uma verdade e uma simplicidade encantadora.

Cesar Zamberlan

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