Parte 12: Mundo Invisível, Lawrence da Arábia, Walk Away Renée
Parte 12 – Mundo Invisível, Lawrence da Arábia e Walk Away Renée
Começando pelo mais fraco, devo avisar que não sou admirador de Tarnation, o filme mais famoso de Jonathan Caouette. Logo, seria difícil que eu me entusiasmasse por este Walk Away Renée que é, em muitos aspectos, extremamente semelhante. O narcisismo de Caouette frequentemente me aborrece, o que não acontece com o narcisismo de alguns outros cineastas (Woody Allen, por exemplo). Talvez porque Caouette junte narcisismo e afetação, e aí a coisa fica um pouquinho indigesta. Não o suficiente, porém, para que seja um filme completamente desprezível.
No domingo, terceiro dia de repescagem, pude ver pela primeira vez em tela grande o clássico Lawrence da Arábia. Confesso que não tinha em alta conta este filme, o mais grandioso do ótimo David Lean. Sempre achei melhor sua primeira, principalmente Desencanto e Grandes Esperanças. Também gosto muito de A Filha de Ryan, mas considero Doutor Jivago uma coleção de problemas.
Na tela do Cinesesc, ficou evidente a beleza das imagens de Lawrence da Arábia, em que os homens se fundem às areias do deserto, da mesma maneira que Lawrence, em sua loucura, iria se confundir com a Arábia, tentando loucamente promover a união de suas diversas etnias, tal como fez Marechal Tito na antiga Iugoslávia. A crescente relação entre Lawrence (Peter O'Toole) com Sherif Ali (Omar Sharif) acompanha o enlouquecimento de Lawrence, que se descobre uma máquina de guerra, um beduíno dândi dominador do deserto.
Uma pena que a segunda parte enfraqueça o conjunto, fazendo com que a loucura progressiva do protagonista canse um pouco. Já me perguntei se esse cansaço seria causado pela maratona, que agora no final cobra seus dividendos em um filme de mais de três horas. É algo que só uma revisão no dia certo poderá responder. Mas com tanta correria que este mundo urbano e apressado nos obriga, haverá dia certo? O filme certamente merece.
Fechando a repescagem, e com isso a Mostra, Mundo Invisível, com os diversos episódios que compõem um quadro (agora completo, já que na Mostra anterior havia sido exibida uma versão inacabada) sobre o mundo atual. É um projeto de Renata de Almeida e Leon Cakoff que cineastas em visita a São Paulo encamparam durante os últimos anos. Surpreendentemente, uma parte dos curtas tem interesse.
O segmento de Theo Angelopoulos mostra um pregador no metrô de São Paulo e a arte de rua da cidade, e abre a série de forma positiva. Infelizmente, logo em seguida vem o pior, o de Guy Maddin, que ao mostrar o cemitério da Consolação em um preto e branco com câmera-cachorro confirma o sucesso de sua intenção de deixar de ser um diretor medíocre (como uma retrospectiva antiga da Mostra havia sugerido) para ser um péssimo cineasta (para aumentar o trauma, não aguentei nem dez minutos de seu Keyhole, longa na programação deste ano). Outro bem ruim é o de Wim Wenders, diretor que parece ter acreditado mesmo que o cinema morreu e passou então a fazer outras coisas, no caso de seu segmento, um mal vídeo institucional.
Mas talvez seja melhor destacar os de interesse, afinal. Um dos melhores, como era de se esperar, é o de Manoel de Oliveira, piada visual que se justifica por um único plano, aquele que estabelece com precisão a loucura daquele diálogo cara a cara ao celular, um plano distante em que não ouvimos o que se diz. Outro é o de Atom Egoyan, em que o próprio Cakoff vive ele mesmo á procura de seu avô armênio, passando pela lembrança do genocídio de mais de 1 milhão de armênios pelo Império Otomano, em 1915. Mas talvez o único segmento que vá além do interesse e, incorporando erros e acertos, pode ser considerado um filme é o de Beto Brant. Com um tom que lembra Carmelo Bene e o Jos Stelling oitentista, Brant, com a ajuda de Cisco Vasques na codireção, investiga o poder do teatro e da representação.
Sérgio Alpendre
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