Ano VII

Parte 10: Veteranos: Bellocchio, Ruiz, Oliveira

quinta-feira nov 1, 2012

Parte 10: Veteranos em ação: A Bela Que Dorme, La Noche de Enfrente, Gebo

Tirando os filmes brasileiros concorrentes ao prêmio do Itamaraty, o que vi nesta reta final da 36ª Mostra foi o cinema feito por diretores veteranos. Dois deles estão na estrada desde os anos 1960. O outro, apesar de ter deixado de ser bissexto apenas nos anos 1970, está em atividade desde os anos 1930.

Marco Bellocchio fascinou muitos cinéfilos com seu A Bela Que Dorme, enquanto o falecido Raúl Ruiz (grafado dessa forma no filme, e não como Raoul, para acentuar sua origem chilena) esteve representado com seu último longa, La Noche de Enfrente. Completando a série dos veteranos, a revisão de O Gebo e a Sombra, desta vez em gloriosa cópia 35mm, confirmou que o último Manoel de Oliveira é mesmo o melhor filme exibido nesta edição do evento.

Dois dos filmes foram vistos em ótimas sessões que não estavam lotadas. A Bela Que Dorme passou no Cine Sabesp, O Gebo e a Sombra, no Cine Livraria Cultura 1. Um outro, o de Ruiz, foi visto no Arteplex 2, mas como já tinha passado várias vezes, a sala não estava lotada. São essas sessões menos concorridas as que oferecem as melhores condições para a apreciação de um filme durante um festival (em que a correria é regra, nunca a exceção). Por sua vez, o filme do Bellocchio quando é exibido no Arteplex tem sempre lotação esgotada. Ou seja: recomendo a visão desses filmes concorridos em cinemas localizados fora do eixo (Cine Sabesp, Pompéia, Eldorado). Espera-se também que o filme continue bombando quando estrear comercialmente, algo que raramente acontece.

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A Bela Que Dorme está longe dos melhores filmes  de Bellocchio no século 21: a saber, A Hora da Religião e Vincere. Tem momentos que certamente revelam um diretor especial na maneira de filmar e cortar, com as mesmas passagens de planos desconcertantes dos dois filmes supracitados. Mas tem personagens demais, e boa parte deles responde por alguns momentos tediosos (algo que não encontramos nos outros filmes). O irmão rebelde, por exemplo, aparece sempre para atrapalhar belas cenas entre o irmão comedido e uma garota que tem problemas com o pai. A personagem de Isabelle Hupert, uma atriz de sucesso que mantém a filha em morte vegetativa, não me atingiu em momento algum (e ela é responsável por alguns momentos que deveriam ter maior impacto). O final é especialmente forte, com a criação de um laço forte entre a doidinha suicida e o médico, apenas com troca de olhares e cuidados. Há ainda um discurso primoroso sendo ensaiado numa sala fechada e algumas belas cenas envolvendo flertes e a consolidação momentânea de um relacionamento. É um filme verdadeiramente ambicioso, que Bellocchio não conseguiu controlar o tempo todo. Desnecessário dizer, contudo, que é do tipo de filme que clama por revisão fora de um festival.

La Noche de Enfrente padece do mesmo problema de A Bela Que Dorme: personagens demais, situações demais, controle insuficiente. Mas é um último filme digno de um dos diretores mais originais do cinema. E uma espécie de resumo de carreira também. Há conexões com outros filmes do diretor: As Três Coroas do Marinheiro, A Ilha do Tesouro, Três Vidas e uma Só Morte, Combate de um Amor Sonhado, e outros que agora me escapam. Há também algumas back-projections interessantes, que reforçam o artificialismo do cinema de Ruiz.

Bellocchio, Ruiz, Oliveira. Dos três, o único de carreira uniformemente excelente, que mesmo depois de entrar em sua fase mais produtiva (média de quase um longa-metragem por ano de 1990 até hoje) é Oliveira. Não à toa é o maior cineasta em atividade. Bellocchio e Ruiz, obviamente, têm ambos filmes brilhantes no currículo. Mas têm gorduras também (O Casamento e Irmãs Jamais, Genealogias de um Crime e Dias no Campo, são exemplos de um e de outro).

O cinema de Oliveira, pelo contrário, desconhece a palavra fraco, ou palavras semelhantes (menor, por exemplo). Cada filme que realizou desde Benilde – A Virgem Mãe, de 1975, é no mínimo imperdível. É impressionante. Oliveira simplesmente não filma caso não tenha algo a dizer. E ele tem algo a dizer em quase todos os anos.

O Gebo e a Sombra é seu primeiro longa produzido pela produtora dos jovens filmes portugueses, O Som e a Fúria. A mesma produtora que abrigou Eugène Green e seu A Religiosa Portuguesa agora recebe o gênio de quase 104 anos de vida. A parceria fez bem a Manoel de Oliveira, que realizou seu melhor filme (empatado com Sempre Bela) desde O Quinto Império.

Sérgio Alpendre

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