Ano VII

Perder a Razão

quarta-feira out 31, 2012

Perder a Razão (À Perdre la Raison, 2012), de Joachim Lafosse

Muito do burburinho criado em torno de Perder a Razão vem do impacto propositalmente catártico do que pelo conjunto do filme. O primeiro desafio que faço aos cinéfilos da Mostra enamorados por esse filme é voltar a ele num momento posterior, sem a correria entre sessões, com a cabeça fria e já ciente do desfecho da história.

Aí sim será possível iluminar o caminho, sentindo se ele é realmente sublime, um “must see” como os amigos me dizem ou apenas um filme correto, que por conta do impacto final toma proporções maiores do que a que lhe cabe. Fico com a segunda.

No patológico arranjo familiar que se forma no centro de Perder a Razão, o que se perde na verdade é a possibilidade de valorizar os atores que tem nas mãos e uma criação de clima mais apurada, sofisticada, que não seja a todo momento tour de force. Mais importante: dar margem para que, além do incômodo, dimensão sensorial buscada a todo momento por Lafosse, o espectador tenha chance de construir junto – espaço que não há nesse filme.

Com o desenlace em suspenso, o que Lafosse faz é privar o espectador de uma relação plena com o filme. Lembra-se do final, do impacto, do significado da atitude da personagem; fica num segundo plano o restante do filme, o caminho esburacado que ele percorre até a conclusão.

Ao escalar Niels Arestrup, Lafosse tenta repetir o que Jacques Audiard fez em Um Profeta: mostrá-lo como uma figura dominadora. Uma das coisas subaproveitadas é o corpo de Arestrup. Figura grande, assustadora, em Perder a Razão ele tem menos presença corporal do que poderia. Até em cenas que ele explicitamente domina uma personagem, Lafosse enquadra sem muito apuro: filma sempre como se houvesse alguém a espreita ou cola no rosto dos atores. E só.

E quando a cena “surge” com sutileza – a filha quebrando propositalmente a pata do cavalo de brinquedo –, Lafosse prefere derrubar a nuance e ressaltar o que já está claro.

Emilie Dequenne, que interpreta a mãe, apesar do bom trabalho, também é subaproveitada. Só no trecho final é que a direção lembra que é possível construir uma atmosfera tensa não só do pescoço para cima, mas também para baixo. Mas quando ele melhora, é hora de acabar. O mais contraditório é que Lafosse encaminha o enredo para a tal cena catártica e, depois de conseguir o efeito, estende por mais um plano para explicar o desfecho. Ou seja, minou todo o trabalho voltado exclusivamente para a conclusão.

Entende-se a projeção nesse ou naquele personagem, ou o incômodo com a iminência do perigo com os filhos. Olhado friamente, porém, saltam os truques de Lafosse para causar efeito.

Heitor Augusto

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