Ano VII

Entre o Amor e a Paixão

terça-feira out 30, 2012

Entre o Amor e a Paixão (Take This Waltz, 2011), de Sarah Polley

Entre o Amor e a Paixão é uma tradução do título original Take This Waltz tão inapropriada quanto é a de Blue Valentine – produção também estrelada por Michelle Williams –, por aqui chamado de Namorados para Sempre e lançado no Dia dos Namorados (veja só que bela jogada de marketing). Não são estas suas únicas relações com o filme de Derek Cianfrance, mas nenhuma delas deve ser ignorada.

A primeira atende claramente às demandas do mercado; nos dois casos resumindo o enredo àquilo de que seus idealizadores tentam de qualquer maneira escapar:  um romance hollywoodiano, feito sob medida para ser acompanhado por espectadores com uma mão na pipoca e a outra entrelaçada com a de seu par. Trai-se, assim, o âmago presente nos títulos propostos por seus realizadores que, no caso de Cianfrance, pretendia relatar a ascensão e a queda de um casal e, aqui, no de Sarah Polley, seus argumentos feministas em prol de uma liberdade emotiva.

A outra aproximação (essa evidente), é a utilização de Michelle Williams: atriz muitas vezes injustiçada que, com Kelly Reichardt, vem realizando uma das mais interessantes parcerias do cinema independente americano. Seu rosto bonito, mas singelo, é perfeito para seu tipo de interpretação, normalmente contida e minuciosa, capaz de exprimir dor ou alegria sem, necessariamente, recorrer às lágrimas ou aos sorrisos abertos. 

No entanto, o que de fato torna irmãs tais produções é a conduta por vezes inapropriada de seus realizadores. Se Namorados para Sempre permanece forte na memória, é tão somente pela dinâmica entre seus protagonistas, os momentos nos quais a montagem de Cianfrance não recorre a horrorosos flashbacks para contrapor a derrocada de seu casal. E Sarah Polley é ainda menos refinada, fazendo com que seu trabalho funcione melhor no papel (trata-se, de fato, quase de uma tese) ou, pra ser menos rigoroso, em retrospecto, quando percebemos que ela sabia exatamente o que queria.

Tal receio aumenta conforme o filme ensaia, ao menos, quatro finais, antes de seu derradeiro (isso cansa, e muito!).

A eles: No primeiro, vemos Margot (Michelle Williams) resignada, aceitando deixar seu suposto amante partir, para, somente após trinta anos de convivência com seu marido (Seth Rogen, em uma versão mais contida de, bem, Seth Rogen), encontrá-lo sob o pôr-do-sol no local por eles programado. Isso, antes de descobrirmos que essa imagem (brega, de nos fazer corar) se trata de um devaneio.

No segundo falso desenlace, uma sucessiva citação a Os Incompreendidos, aos seus dois momentos mais famosos: as respostas frontais de Antoine Doinel durante sua entrevista, aqui substituído pelo personagem de Seth Rogen (!) lamentando-se com sua esposa; e, como não poderia deixar de ser, a corrida desesperada do garoto, ou, no caso, da triste Margot fugindo para o mar (a diferença sendo que ela tem destino: seu amante).

O terceiro dá-se no momento em que  as intenções de Polley passam a ficar mais claras, no qual, ao longo da duração de uma canção (aquela que nomeia o filme, de Leonard Cohen) resume aquele que seria – segundo a diretora – o ciclo natural de todo e qualquer relacionamento: paixão, intimidade, amor, tédio. Essa ideia é materializada dentro da órbita de um travelling circular e funciona como um videoclipe pirotécnico.

Após este interlúdio, sabemos que esse relacionamento também se saturou e, seguida de  uma justificativa tola, vemos Margot sendo obrigada a voltar à casa de seu ex-marido. Mais uma vez, a diretora puxa o tapete do espectador e a reconciliação final não acontece. Em seu lugar, retornamos à locação onde a melhor cena do filme – até então – havia acontecido, quando a instável protagonista vai passear com seu quase amante, em um parque de diversões.

Ali, sob o som da sintomática Video Killed the Radio Star, dos esquecidos The Buggles, o possível casal diverte-se em um brinquedo que sobe e desce, oscilando como as intenções de Margot. O clima mágico do local (com atmosfera típica de festas dos anos 80) é subitamente interrompido, quando tudo abruptamente cessa e a felicidade momentânea dos dois é novamente aplacada pela realidade crua e banal do ambiente.

Porém, nesta retomada categórica, Margot está sozinha, sentada no meio do carrinho. A música e o clima de felicidade são os mesmos, mas Polley fará o corte final do filme antes que as luzes se acendam, trazendo finalmente à sua personagem a alegria conclusiva que, até o momento,  lhe era sempre podada.

Entre o Amor e a Paixão está longe de ser um grande filme (não é nem mesmo bom), mas escapa de ser uma bomba quando demonstra, enfim, uma segurança que surgia sempre cambaleante – quando não inexistente –  formando um projeto digno, ainda que por demais prejudicado por uma destrambelhada condução.

Bruno Cursini

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