Além das Montanhas
Além das Montanhas (Dupa Dealuri, 2012), de Cristian Mungiu
Cristian Mungiu está em alta no Festival de Cannes. Em 2007, conquistou a Palma de Ouro por 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias. Seu mais recente longa, Além das Montanhas, foi contemplado com palmas para suas duas atrizes principais, Cosmina Stratan e Cristina Flutur, além de ter ganhado como melhor roteiro (do próprio Mungiu). Tais premiações dizem muito pouco das qualidades cinematográficas dos dois filmes, mas contribuíram, certamente, para a grande procura do último na 36ª Mostra SP. Sala lotada para ver um filme de duas horas e meia de duração, sobre freiras isoladas num paraíso montanhoso e envolvidas em um suposto caso de possessão demoníaca.
Por causa do tema, é grande a tentação de comparar Além das Montanhas ao clássico polonês Madre Joana dos Anjos, de Jerzy Kawalerowicz. Mas tal comparação é prejudicial ao novo filme, principalmente porque Mungiu, apesar de ir muito bem no trabalho com o espaço no formato scope, fica longe do que Kawalerowicz conseguiu com a verticalização no aspecto 1.37, verticalização que acentua o cenário assustador e serve melhor à atmosfera de medo inerente a uma história de possessão (ou suspeita de).
Mais útil, por enquanto, é compará-lo a Homens e Deuses, filme de Xavier Beavois que é muito parecido no tom, é filmado também em scope, e mostra uma comunidade religiosa (no caso, monges trapistas), igualmente isolada, às voltas com terroristas. Isso porque os dois filmes trabalham com uma ritualização narrativa e com a horizontalidade coordenando a dimensão espacial dos planos. São duas maneiras parecidas de filmar a intransigência religiosa, mas fica evidente que Mungiu é um diretor superior a Beauvois, sobretudo porque consegue passar uma noção de atmosfera utilizando-se de pequenas correções de enquadramentos, motivadas sempre pela movimentação das atrizes. Sua ritualização se torna mais forte, mais sólida, porque há uma exatidão estrutural que está ausente no filme de Beauvois.
Além das Montanhas é uma história de possessão, como já mencionado, mas a possessão é demoníaca apenas para os personagens dentro da história. Para nós, espectadores, fica claro, desde as primeiras cenas, que a possessão é na verdade desejo sexual reprimido. De Alina por Voichita, sendo que esta última trocou Alina por Deus na escala de preferências, e com a dura concorrência, é óbvio que Alina iria pirar mais cedo ou mais tarde. O filme de Mungiu, contudo, equilibra-se na corda bamba durante boa parte de sua duração, principalmente porque demora a deixar que o desequilíbrio de Alina desmanche a frieza do relato. Sabemos de um surto de Alina por alguma outra irmã, e chegamos à cena quando o surto já diminuiu ou passou completamente. Quando começamos a testemunhar os surtos, e estes se agravam, o filme ganha impacto, se desestabiliza junto da moça e atinge momentos impressionantes.
Alina é como a Natalie Wood de O Clamor do Sexo, obra-prima de Elia Kazan. Não sabe o que fazer com o desejo reprimido. Passa por louca, porque as pessoas ditas sérias sempre tiveram dificuldade para entender a paixão e o instinto sexual. E Alina é um furacão deslocado de seu habitat natural. O sexo, dentro de um convento, é coisa do demo. A frieza das imagens, nesse sentido, é mais um elemento a aprisionar essa personagem, e sua libertação é a do filme também.
Sérgio Alpendre
© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br