Ano VII

Laurence Anyways

domingo out 28, 2012

Laurence Anyways (2012), de Xavier Dolan

Laurence Anyways é filmado como se a câmera fosse embalsamada, antes de cada diária, numa poção de histeria e afetação. Antes mesmo de falar sobre a estabanação no exagero ou da confusão entre poesia e comercial de perfume chique, é preciso começar pelo óbvio: Xavier Dolan filma muito mal, constatação que a duração de Laurence Anyways só torna ainda mais evidente.

Seu jeito de filmar se divide entre Quando Quero Ser Intenso e Quando Quero Ser Poético, ambos desastrosos. No primeiro, a fórmula é colocar dois atores fazendo duelo de diálogos e passar grosseiramente da cara de um para a de outro – com alguns sobre-enquadramentos para refrescar. No segundo, prefere planos abertos ou médios, câmera lenta, figurino bonito, música cool, joias etc – ou seja, Lady Gaga aplicada à gramática cinematográfica

Juntos, enfiados goela abaixo, esse entendimento sobre intensidade e poesia formam um cinema sem nuances. Se em Eu Matei Minha Mãe e Amores Imaginários dava para tapear a caminhada em mão única, em Laurence Anyways o caso é mais sério: a protagonista é um homem que inicia um processo de transexualidade, que se mostra ainda mais rico porque sua orientação sexual é hetero.

Num momento em que qualquer pessoa de bom senso está interessada em entender o paradigma Laerte, não há como não receber com interesse um projeto como esse. Como ideia, Laurence Anyways é um filmaço. O problema é só quando ele deixa de ser ideia e se torna o filme e toma a tela.

Tenta-se um enredo de relações intensas, complicadas, um amor com idas e vindas. Dolan usa muito do close-up e da câmera na mão para atingir tal efeito. Não faz mais que irritar porque parece não entender que febril não é sinônimo de afetação. Nunca é demais lembrar que por trás da câmera colada de Cassavetes, este sim dono de um cinema intenso, havia uma construção do trabalho dos atores, composição do improviso, montagem etc.

E como Laurence Anyways reflete um cinema sem nuances, de um diretor que pisa no acelerador e nem se lembra que existe a possibilidade de trocar de marcha, nada mais lógico do que tomar o caminho mais preguiçoso. Fala-se de uma personagem oprimida? Então reprima-a no formato quadrado de tela (1.33:1), que é o jeito mais fácil de prensá-la na jaula. Aí vem o Manoel de Oliveira nesta mesma Mostra de Cinema e filma O Gebo e a Sombra numa sala de estar por 91 minutos, mas abre janelas dentro do quadro para os personagens viajarem para fora daquela espaço. Evidente que são estilos distintos de cinema, mas o exemplo serve para realçar como o canadense apenas roda, enquanto o português compõe.

Dolan ainda tem os seus conhecidos momentos de Quero Ser Wong Kar-wai, que novamente não funcionam, tal como em Amores Imaginários. A sensibilidade é o que os difere. Quando vai enfiar o pé no exagero e extrair a poesia da junção atores/corpo-música-câmera lenta, Kar-wai trabalha com a condução do espectador a um estado emocional que, quando as tais cenas chegarem como no romance proibido de Amor À Flor da Pele, a troca de registro se parece como uma consequência e soa natural.

Dolan não. Filma com histeria e abre crateras em seu filme para fazer inserções “poéticas”. Ele precisa se decidir se vai fazer cinema ou filmar comercial da Gucci.

Heitor Augusto

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