Ano VII

Parte 6: O Gebo e a Sombra, O Resto do Mundo e Shibuya

quinta-feira out 25, 2012

Parte 6: O Gebo e a Sombra, O Resto do Mundo e revisões de Shibuya

Nos últimos dias pude adotar uma velha prática de Carlos Reichenbach e Jairo Ferreira: ver filmes japoneses sem legenda. Revi Os Passarinhos, de Minoru Shibuya, e como fui lembrando de toda a história, pude me concentrar especialmente nos movimentos de câmera, nas variadas distâncias que o diretor adota em seus enquadramentos (da lente para o ator, do ator para o limite do quadro, de ator para ator), e, principalmente, na incrível plasticidade das cenas.

Shibuya tem um estilo mais americanizado do que Ozu, Naruse e Gosho, diretores com os quais trabalhou. Percebe-se em seus filmes uma tentativa de pegar o espectador pelo pescoço e conduzí-lo para todos os lados possíveis entre o cômico e o melodramático. Talvez o público da Mostra não esteja em condições de apreciar seus filmes, uma vez que houve uma pequena debandada de alguns mostrófilos assim que perceberam tratar-se de um melodrama daqueles. Esses perderam um dos maiores momentos de toda esta 36ª edição, quando a movimentação da câmera e da atriz faz com que esta ocupe apenas a extremidade inferior esquerda do quadro, deixando a parede esverdeada dominar o plano.

Passam os anos e o pessoal ainda menospreza uma mise en scène cuidadosa, algo raro hoje em dia, em favor de uma mensagem edificante ou apenas uma aparência menos comercial.

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Esqueçam a indicação que fiz dos dois filmes de Odoul que estão na programação da Mostra. O Resto do Mundo é tão ruim que faz com que a indicação para A Riqueza do Lobo passe a ser de fuga imediata. Odoul, como todo polemista de pouco fôlego, se rendeu à mesmice pseudo-intelectual e sensível do cinema francês atual e conseguiu que Mathieu Amalric e Emmanuelle Béart ficassem insuportáveis em cena. É um estudo sobre a perda e a dissolução familiar filmada com desleixo e preguiça. Mais é desnecessário dizer, visto que o filme é intragável em todos os aspectos possíveis.

O contrário disso é O Gebo e a Sombra, mais um filme assombroso de Manoel de Oliveira. O mestre de 103 anos promove o encontro de três monstros do cinema europeu, Michael Lonsdale, Claudia Cardinale e Jeanne Moreau, com seus atores habituais, Leonor Silveira, Ricardo Trêpa e Luiz Miguel Cintra. O resultado é uma aula de interpretação teatral de todo o elenco. Um texto maior será elaborado em breve.

No bate-papo após a sessão, o produtor Luis Urbano (O Som e a Fúria, produtora do último Eugène Green e de Miguel Gomes) disse que a tecnologia digital permitiu a Oliveira filmar planos de 25 minutos. Leonor Silveira, também presente, disse que os atores já iam para as filmagens preparados para um catatau de 80 páginas de roteiro. Albano também disse que Manoel de Oliveira desenhou em um guardanapo como queria a casa em que se passa quase todo o filme, que o resultado que vimos é bem fiel ao desenho de Oliveira, e que esse guardanapo está guardado para a posteridade.

O grande senão é que a projeção em digital deu algumas travadas no começo, prejudicando a fruição. Espero que nas próximas sessões esse equívoco não volte a acontecer.

O Gebo e a Sombra, de todo modo, já é, nesta primeira visão um tanto truncada, o melhor filme recente que vi até agora na 36ª Mostra, apesar de não estar à altura de O Quinto Império, Sempre Bela e Espelho Mágico.

Sérgio Alpendre

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