O Que se Move
O Que se Move (2012), de Caetano Gotardo
Domínio do tempo. Clareza sobre o que mostrar ou esconder, dizer ou omitir. Não temer o ridículo e confiança para sustentar em alto nível os voos atrevidos. Essas são características que fazem de O Que se Move uma promissora estreia de Caetano Gotardo (Areia, O Menino Japonês). Digo promissora mesmo, não dessas legitimações apressadas que nós da crítica por vezes nos sentimos tentados a executar.
Não fosse um adjetivo surrupiado muitas vezes para a defesa de um cinema picareta, “sensível” seria a primeira qualidade a se ressaltar no longa. Prefiro, então, concentrar-me na solidez do conjunto, o que falta a bons filmes de estreia vistos neste ano, tais como Boa Sorte, Meu Amor, Eles Voltam e As Horas Vulgares.
Essa solidez está fincada na dramaturgia – outro elemento tão maltratado pelo cinema brasileiro. Há também um trabalho casado de direção e fotografia, posteriormente reforçado na montagem, que evidencia e justifica as escolhas.
Chama a atenção a coerência em que as histórias de três mães e seus filhos são elaboradas. Num ritmo que prioriza a calma em detrimento à pressa – um elemento quase de provocação, já que o filme se passa em São Paulo, a cidade que só recentemente se lembrou que pode dar amor ao Brasil –, O Que se Move tem um punhado de planos e diálogos aparentemente desnecessários. O ganso no parque, as camisinhas sob as folhas, as mães que olham longamente o bebê.
Não há um show room de enquadramentos supostamente poéticos. Eles simplesmente o são porque justificáveis para o conjunto do filme. Se o adolescente pergunta como os gansos preenchem o tempo é porque saberemos cenas depois que o mesmo garoto ocupou seus dias e noites livres nas férias de maneira que irá destruir toda uma família. Vale o mesmo para a inocência com as camisinhas encontradas e o observar atento de um filho pequeno.
Nos momentos intraduzíveis de dor e emoção das personagens, o filme larga o registro realista e se permite flutuar. É quando Gotardo faz aquilo que Christophe Honoré não sabe: musicalizar a vida. Tocadas ou consternadas, as mães não dizem os diálogos, mas cantam. E o filme torna-se lindamente um musical melodramático. Não cai no piegas e dá a chance às personagens em suavizar a dor e a emoção por meio da música. A fruição musical permite a elas viver sentimentos de difícil transformação em palavras. E isso não tem nada a ver com as bobagens fetichistas de Catherine Deneuve tristonha, sacudindo a bolsa e cantando na triste noite francesa em As Bem Amadas.
Mas seria incompleto – não são incompletos todos os textos publicados durante um festival de cinema? – dirigir um olhar unicamente formalista ao filme. O Que se Move é um filme cheio, preenchido de amor e dor, de emoções guiadas pelo instinto cuidador maternal. Os pais são coadjuvantes de uma produção com talento raro em aproximar-se do sentimento de tristeza sem cair nos extremos: nem os da aspereza como Preciosa, nem o fofinho hipster de Miranda July.
O Que se Move é afeto no cinema, não cinema do afeto.
Heitor Augusto
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