Estudante
Estudante (2012), de Darezhan Omirbayev
Talvez por não conhecer nenhum dos longas-metragens anteriores do diretor cazaque Darezhan Omirbayev, fiquei com a impressão de que este seu Estudante – apresentado, nem precisaria dizer, na Un Certain Regard deste ano –, nunca escapa de algumas armadilhas tão comuns em obras de cineastas iniciantes.
Seu prólogo é bastante promissor: nos bastidores de uma filmagem, um rapaz é espancado pelos seguranças da estrela do filme, tudo isso em decorrência de ter derrubado chá quente em suas pernas – e a razão do ocorrido foi, de fato, a atenção, do pobre coitado, dispensada a esta parte da anatomia da celebridade.
Até aí não sabemos ao certo quem será o personagem do título ou, muito menos, tratar-se de uma adaptação de Crime e Castigo, de Dostoiévski. Ao contrário, parece estarmos pisando em um terreno bastante fecundo nos festivais, no qual os absurdos da violência e da humilhação visam chamar o público (e o júri) para uma narrativa de outra forma bastante vazia (penso em Kornèl Mundruczó, por exemplo, mas aqui sem seu inegável apuro visual).
Eis que entram os créditos e, com isso, a suposta origem de seu roteiro. Logo, no entanto, fica patente as intenções bressonianas de seu realizador, aos poucos aproximando seu filme de Pickpocket e, bem, com mais sucesso, de tantos outros subprodutos recentes feitos nos moldes do mestre francês.
De Raskolnikov, no entanto, fica-se o estudante ressentido que, aqui, revoltado com o capitalismo (que será, olhe só, reiteradamente equiparado ao mundo selvagem), cometerá um assassinato planejado, no caso, contra o proprietário de um pequeno mercado e outro, por força do destino, contra uma cliente.
No autor russo e em Bresson, seus protagonistas passam a viver às margens para provarem-se indivíduos excepcionais, daqueles capazes de alterar o curso da humanidade. Quando Raskolnikov mata a outra vítima, por impulso, ele se angustia, passando a indagar-se sobre uma possível espiritualidade universal, e a figura de Sônia (ou Jeanne, no filme francês), irá representar a ilustração imaculada da humanidade, uma que se prostitui para ajudar o pai e irá à Sibéria para a graça final do jovem, agora em paz.
Em Estudante, a mão de Omirbayev pesa, e seus dedos apontam diretamente para o culpado. Após decidir cometer seu crime (seu modo de justiça), o estudante (que não ganhará nome) é quase duplamente atropelado, primeiramente por uma Range Rover e, em seguida, por um Mercedes-Benz.
Momentos seguintes – na cena mais detestável do filme – essa mesma caminhonete estará atolada, tentando ser guinchada por um burro (A Grande Testemunha?) e seu humilde dono. Quando o animal se cansa, o dono do veículo abandona seu banco e, tirando do porta-malas um taco de golfe, caminhará até o animal, o matando.
É mais uma justificativa (sempre concreta) para que possamos compreender a atitude do protagonista homicida. No entanto, a condução de Omirbayev é tão rasteira que, ao final, no epílogo, na emulação da transcendência bressoniana através do arrependimento e da sobriedade cristã, fica-se apenas a evidência de uma intenção, até mesmo em decorrência da nulidade total que é a personagem que seria a Sônia daqui.
Onde nos mestres existia uma negação da maldade inata, seja pelo amor ou pela fé, aqui há apenas lugar para a podridão do capitalismo e do raquitismo do ser humano. Fosse Estudante o produto de um garoto gritando por atenção, já seria suficientemente imaturo; sendo obra de um cineasta já formado, esse sim, trata-se de um caso perdido.
Bruno Cursini
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