A China de João Pedro Rodrigues e João Rui da Costa Mata (A Última Vez que Vi Macau; Alvorada Vermelha; China, China)
A China de João Pedro Rodrigues e João Rui da Costa Mata (A Última Vez que Vi Macau, Alvorada Vermelha, China, China)
Do mais recente ao mais antigo, os três filmes feitos em parceria pelos portugueses João Pedro Rodrigues e João Rui da Costa Mata na China ou sobre personagens chineses caminham rumo a uma maior radicalidade na dramaturgia. Se China, China é uma ficção tradicional, A Última Vez que Vi Macau é um filme híbrido. Para complicar ainda mais classificações, nenhum deles está próxima do registro de Morrer Como um Homem, o longa de Rodrigues (Costa Mata é corroteirista, montador e diretor de arte nessa produção) mais conhecido no Brasil.
China, China mostra a breve manhã de uma jovem esposa que levantou tarde, não abriu o supermercado como combinado e tem de ouvir os berros do marido enquanto tenta dar atenção ao filho. Uma mulher imbuída do desejo, tema recorrente na obra de Rodrigues, que flerta até com a morte de sua família para conseguir se libertar.
Alvorada Vermelha documenta a rotina do Mercado Vermelho de Macau, tentando extrair com a montagem uma poesia do ritmo dos gestos. A morte e a lida despreocupada com ela – pois se matam aves e peixes como quem lava louças – é o que dá um elo aos personagens.
A Última Vez que Vi Macau recupera um subtexto que rondou Alvorada Vermelha: a atriz Jane Russell e seu papel em Macau, de Sternberg/Ray. Mas dá um passo além: as imagens documentais são banhadas num roteiro ficcional. Não está claro quem vem antes, o enredo ou as imagens, mas pouco importa essa hierarquização.
Ao contrário dos outros filmes de Rodrigues, não há corpo, apenas o desejo. O corpo é invisível, representado por uma voz, um desafio semelhante a Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo – com a diferença que o filme de Aïnouz e Gomes é majoritariamente um diário, confessionário sentimental, enquanto o de Rodrigues recorre também a uma trama policial e à fábula.
Misturar gêneros não é necessariamente uma novidade para o realizador português. Morrer Como um Homem agrega melodrama, tragédia e musical. A manipulação dramatúrgica é que caminhou mais radicalmente.
Neste A Última Vez que Vi Macau, que não me parece manter-se equilibrado do começo ao fim na tentativa de captar memórias, o imaginário, algo permanece: o sentimento de perda que guia o personagem/voz a essa cidade que seduz. No diálogo mais firme do filme, diz-se: “Quatrocentos anos de presença portuguesa em Macau, mas hoje ninguém fala português”.
A memória do colonizador busca um passado de protagonismo. O presente que ele encontra não lhe atribui esse protagonismo, pelo contrário: os rastros do que há de português naquela cidade vigiada são raros.
O que mais interessa não é este filme em si, porque a experiência de vê-lo é prazerosa, mas acaba na sala, mas o que ele vai resultar. Para onde vai caminhar o cinema de alguém que faz Morrer Como Um Homem e, três anos depois A Última Vez que Vi Macau?
Heitor Augusto
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