Ano VII

Selvagens

domingo out 7, 2012

 

Selvagens (Savages, 2012), de Oliver Stone

Quando entrevistada sobre sua aposentadoria, Pauline Kael sentenciou algo assim: "a melhor coisa é não ser mais obrigada a ver filmes do Oliver Stone".

É engraçado. Tá cheio de diretor pior fazendo cinema nos EUA e sendo incensado (Tony Scott, por exemplo), e o pobre coitado do Stone – cujo maior pecado é ser medíocre – sempre entra como Cristo. Quando Kael proferiu a frase acima, muitos críticos a encamparam, sentindo-se liberados também para crucificar o pobre diretor de Platoon, que depois foi obrigado a fazer filmes humanistas e mais escancaradamente esquerdistas para não ficar tão mal na fita.

Tirante um filme, Assassinos Por Natureza (er… dois: A Mão, se bem que este foi amplamente esquecido logo depois de ter sido feito), esse diretor não fez nada tão horrendo assim que justifique tamanho desprezo. Raramente acerta (casos de Wall Street, o primeiro, Talk Radio e Alexandre), e mesmo quando o faz, deixa rastros de sua mediocridade pelo caminho. Mas não merece tanta má vontade.

E essa má vontade existe, sim. Quando disse a alguns amigos que ia trocar uma sessão qualquer em digital tosco do Festival do Rio por uma do circuito comercial de Selvagens, o novo filme de Stone, não houve um único deles que mantivesse expressão neutra. Todos fizeram as mais diversas caretas, os mais pejorativos comentários.

Eu mesmo não esperava muito, mas esperava, sim, pelo menos um filme com certa construção dramática, um roteiro parcialmente eficaz e a possibilidade de chegar ao fim da projeção sem ter vontade de abandonar o cinema. Foi exatamente o que recebi. Stone tem boa noção de ritmo, e se nunca consegue se livrar da afetação que o vitimiza desde que nasceu cinematograficamente, geralmente entrega algo que não ofende, a que se assiste sem prazer, mas também sem dificuldade.

Selvagens começa como o Cassino de Scorsese. Uma narração conta a história, e começa por narrar os bastidores da comercialização da maconha por dois amigos de longa data. Essa narração mostra o ponto de vista de uma bela jovem, que mantém uma relação amorosa com os dois ao mesmo tempo ("um é metal frio, o outro é madeira quente; um faz sexo, o outro faz amor; os dois juntos formam um homem perfeito"). Stone faz questão de explicitar essa diferença entre os dois, mostrando uma transa com cada um, transas que ilustram a descrição da moça como se o filme fosse uma encomenda daqueles canais de softcore da TV paga.

A sacada de Stone de promover um truque narrativo não é grande coisa, nem é novidade, mas funciona: fazer com que ela avise que o fato de estar narrando não quer dizer necessariamente que ela tenha sobrevivido à aventura que vai contar. Dessa maneira, há tensão o suficiente para o espectador mais passivo roer as unhas, com cenas de sequestro, roubos, perseguições e explosões, como é praxe num filme desse tipo. E há uma brecha no roteiro que possibilita a virada final, das mais idiotas que vi no cinema recente.

Bom, mas aí já é o fim, e você se pergunta como diabos caiu em mais uma armadilha de Stone, em vez de deixá-lo falando sozinho para o público dos multiplexes.

Sérgio Alpendre

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br