Ano VII

Diário – Parte 1

sexta-feira out 5, 2012

Diário do Festival do Rio – Parte 1 – Terra Esquecida e El Ultimo Elvis

O formato diário sempre me interessou. Era o que eu gostava de fazer na época da Paisà, e resolvi retomar agora, na Interlúdio. É um formato mais leve, obviamente, muito mais propenso à especulação do que à crítica. O que não elimina a possibilidade de termos um pouco de crítica por aqui, escondida (ou não) nas entrelinhas de comentários sem muito compromisso.

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Minha primeira sessão do Festival, num dia de dois filmes vistos, foi uma substituição. No lugar de Robot e Frank, de um diretor estreante, com Frank Langella, o São Luiz 3 exibiu um filme ucraniano com a senhorita 007 Olga Kurylenko. A ironia é que Robot e Frank já havia sido exibido antes. Foi substituído porque o DCP deu problema.

Parece piada, mas não é. O DCP tem sido, segundo relatos, uma dor de cabeça, e não só aqui no Brasil. Até no Cinema Ritrovato, em Bologna, deu pane. Pois bem, no lugar entrou uma exibição em 35mm. Mais um round com derrota para o digital.

A substituição, enfim, acabou sendo positiva. O filme ucraniano se chama Terra Esquecida, é dirigido por um diretor israelense, Michale Boganim, e fala sobre o acidente de Chernobyl em 1986, e na ligação de algumas pessoas com o acidente, dez anos depois. Tem uma cara de produção europeia para exportação, e a presença de alguns diálogos em francês contribui para essa impressão desagradável. Mas o filme acerta em cheio ao deixar o final em aberto, sem que os personagens se encontrem no final. Boganim é estreante em ficção. Sua direção é elegante, lembra o Angelopoulos de Viagem à Citera. Ou seja, é um digno seguidor da matriz mizoguchiana.

O segundo filme da noite exigiu um deslocamento maior. Do Largo do Machado até Ipanema, quase Leblon. A exemplo da sala São Luiz, a sala do Estação Ipanema estava vazia, com cerca de 30 espectadores (se muito). Parece que as más projeções estão afastando o público das boas também. Vejam o tamanho do estrago. Aliás, Guilherme Martins viu Hotel Mekong, com imagem lavada, num digital medíocre, e numa sala também vazia, Estação Botafogo 1.

E o filme, boco-moco? Pois bem. O filme é El Ultimo Elvis, de um diretor estreante chamado Armando Bo (não confundir com o veterano homônimo, morto em 1981). Este novo Bo é roteirista de Biutiful, do Iñarritu (presente aqui como produtor do filme). El Ultimo Elvis fala de um homem de 41 anos que leva sua obsessão por Elvis Presley a limites perigosos. Seu plano é morrer com o mesmo coquetel de remédios que matou o ídolo, dentro de Graceland, a mítica mansão. Não se importa em deixar sua filha, chamada apropriadamente de Lisa Marie (mesmo nome da filha de Elvis). Conheci muita gente assim na época que era dono de uma loja de discos. Sei bem como é esse mundo de fãs obsessivos, gente que, como o amigo (e também ex-lojista de discos) José Damiano costuma dizer, almoça e janta U.F.O. (referência a uma banda de hard rock mais célebre nos anos 70). Pessoas completamente bitoladas em discos (originais, holandeses, coloridos, o que for), bandas, artistas.

A câmera embala na nova onda: na mão, balançando mais do que o normal para dar uma impressão de movimentação constante (em alguns momentos especiais, há o luxo da Steady-cam), sujando o espaço scope com a emulação de um navio num mar revolto. Mas o filme tem força. Principalmente por causa do impressionante ator John Mc Inerny. Líder e cantor de uma banda, Elvis Vive, Inerny está excelente, num papel corajoso e talhado para sua silhueta. Os momentos em que ele cuida da filha conseguiram me deixar com os olhos marejados, mesmo com a despreocupação do jovem diretor com o enquadramento. Inerny, enfim, supera Bo e rouba o filme para si.

Amanhã é dia de enfrentar o temido DCP. Aguardem o relato.

Sérgio Alpendre

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