Esconder a violência (Desterro e A Cidade)
Esconder a violência (Desterro e A Cidade)
Dois dos mais interessantes documentários em curta-metragem deste ano estão em competição na 12ª Goiânia Mostra Curtas. Da Bahia vem Desterro, de Cláudio Marques e Marília Hughes; do Rio Grande do Sul, A Cidade, de Liliana Sulzbach.
(Uma observação: a versão de A Cidade em exibição aqui é a de 15 minutos, um dos cortes feitos por obrigação com um edital. Neste texto, considero o corte de 25 minutos, premiado pela crítica no É Tudo Verdade e um dos escolhidos do público no Festival Internacional de Curtas de São Paulo).
Há alguns anos o documentário largou amarras e cânones para enveredar por recursos da ficção. Às vezes o resultado é equivocado e resulta num experimentalismo ensimesmado, caso de Balança, Mas Não Cai. Outras, o flerte com a ficção constrói um corpo uniforme e coerente, como na obra de Jia Zhang-ke, especialmente Memórias de Xangai.
Em Desterro e A Cidade, a força da montagem e do roteiro encaixam o clímax no meio do filme, oferecendo tempo de (re)significação das imagens há pouco vistas. Ambos trabalham uma história com requintes de crueldade e violência – a remoção arbitrária de moradores para a construção da Barragem de Sobradinho, o isolamento da sociedade e o confinamento de leprosos numa colônia a partir dos anos 1940.
Construídos com vagar, ambos levam o espectador para um determinado local emotivo. Uma vez lá, o filme abre o jogo sobre o seu real tema. Este não é, porém, o final do filme, mas o salto para que a essência dos dois curtas seja realmente acessada, penetrada, compartilhada.
O destino que as montagens dão a Desterro e A Cidade são diferentes. No primeiro, trata-se da significação dos porquês das escolhas narrativas – a cadeira vazia de um trabalhador, a avalanche de água, os ares de cidade fantasma, o encontro de duas mulheres. No segundo, o que acontece é a resignificação das imagens – o que era um cenário idílico, de beleza e calmaria torna-se o palco da violência e da crueldade arraigados.
Com essas ferramentas, Desterro deixa a atribuição de sentido apenas para a metade do curta e A Cidade torna-se um filme completamente diferente da metade para o fim.
O que ambos demonstram é uma vitalidade que o documentário contemporâneo tem para construir caminhos narrativos.
Heitor Augusto
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