Eu engravidei de uma fita cassete azul
Electrick Children (Estados Unidos, 2012), de Rebecca Thomas
Não é todo dia que uma personagem de cinema alega ter engravidado, numa concepção imaculada, de uma fita cassete azul que toca um rock cujo refrão diz “Don't leave me hanging on the telephone”. Também não é todo dia que o cinema consegue espinafrar com inteligência o que há de obscurantismo na religião.
Agridoce seria um adjetivo adequado a Electrick Children. Não quer ser uma bobagem fofinha como se vê no cinema de Miranda July (Eu, Você e Todos Nós), nem rompe com todos os cânones da narrativa clássica. Rebecca Thomas estreia na direção com um bom exercício sobre fábula.
O primeiro plano mostra as tranças caprichosamente enroladas nos cabelos loiros de uma menina, Rachel, que acaba de completar 15 anos e está se confessando para o pai, um líder mórmon. Seu irmão, Mr. Will, está ao lado. Na próxima cena, vemos um breve panorama da comunidade. Crianças brincam, vestidas com roupas do passado. Estamos num filme de época? Por que Rachel tem os cabelos enrolados como uma mulher que poderia estar em L’Apollonide: Os Amores da Casa de Tolerância? Mas se o cenário se parece com filme de época do início do Século XX, como alguém escuta uma fita cassete?
Numa noite, por acidente, ela escuta o que está na fita azul. Toca “Hanging on the Telephone”, do The Nerves. O milagre acontece. Meses depois, ela está grávida. Do homem que canta na fita azul. E sai da repressão de Utah em busca do responsável pela concepção imaculada. Cai em Las Vegas.
O estranhamento inicial sobre o tempo passado é deslocado posteriormente ao tempo presente: se estamos em 2012, como a família de Rachel ainda escuta uma fita cassete, não um mp3 ou um CD? Daí em diante, temos uma interessante fábula do proibicionismo, da cultura do medo e da repressão em religiões ortodoxas e fechadas para o mundo. Na sua jornada, Rachel busca o suposto pai, mas na verdade está encontrando a si própria. Muitos acidentes acontecem no caminho.
Electrick Children prefere sempre o alívio do humor, o que não anula seu tom crítico. Infelizmente, o desfecho do filme é um atropelo só. A pressa e a insegurança em ser autoexplicativo minaram o impacto do trabalho de estreia de Rebecca Thomas. Ainda assim, um bom filme, que foge de muitos lugares comuns, mas cai em outros.
Heitor Augusto
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