Rio – O gato e os urubus
O gato e os urubus
Palavras Mágicas para Quebrar um Feitiço (Palabras Mágicas Para Romper un Encantamiento, Nicarágua/México/Guatemala, 2012), de Mercedes Moncada Rodríguez
O gato esquálido, de olhos grandes e assustados, pêlo rareando, caminha em direção ao bando de urubus num descampado. Nesse belíssimo plano está contida uma das poderosas metáforas do pequeno, mas vívido, documentário Palavras Mágicas Para Quebrar um Feitiço, um dos achados do Festival do Rio.
Na leitura do filme, o gato esquálido é apenas sombra do bichano peludo, repleto de vida. O gato é Daniel Ortega Saavedra, líder da revolução que derrubou a ditadura de Somoza na Nicarágua em 1979. Os urubus são a direita retrógrada, a elite conservadora, com a qual Ortega se aliou para voltar à presidência em 2006.
Palavras Mágicas não esconde seu pessimismo. Compara as imagens da Nicarágua atual com as esperanças de trinta anos atrás. Emparelha as manifestações de hoje com as posteriores ao 19 de julho. O diagnóstico é melancólico. O documentário põe o antes salvador contra a parede. Abertamente, trata-se de um filme sobre a falência das esperanças de uma geração.
O que salta no documentário é justamente a capacidade em ser discurso com as ferramentas do cinema. O sentido do filme está na imagem, como a dos gatos contra os urubus. É isso que falta a outro documentário visto recentemente, Kátia, que competiu no Festival de Brasília: fazer com que o cinema construa o sentido.
É com a imagem que Palavras Mágicas para Quebrar um Feitiço estabelece suas metáforas – e são estas que dirigem o filme para uma leitura melancólica. Resta, porém, no final do filme, uma esperança. O jeito é apegar-se a ela para imaginar uma volta ao Dia 0 após o 19 de julho.
O Brasil da euforia de 2012 precisa de um filme assim, um filme-balanço.
Heitor Augusto
© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br