Tropicália
Tropicália (2012), de Marcelo Machado
Além do óbvio apelo musical, Tropicália mostra mais força ao mapear como os encontros de personalidades e propostas musicais diversas refletiam o humor de uma juventude que tencionou as relações e apontou as caretices.
Ao apontar o diálogo entre as letras de Torquato Neto, obras-primas do cinema como O Bandido da Luz Vermelha e também os parangolés de Hélio Oiticica, o documentário relembra o óbvio, que por vezes passa despercebido: esse breve e contraditório momento político, musical e comportamental produziu uma quantidade astronômica de coisas boas na arte que ainda continuam alumbrando quem chega perto.
Não por acaso cita-se Torquato para falar do mapeamento do humor cultural trazido pelo documentário. A figura do poeta que morreu sem deixar uma compilação publicada, cuja circulação depende da passagem de mão em mão de seus trabalhos, o tipo que enxerga o purismo na literatura apenas quando ela está à margem, é muito forte nos anos 60 e 70, mas serve também de referência para um dos personagens do recente O Céu Sobre os Ombros (2011). Ou seja, o que se disse, pensou-se e produziu-se naquele momento continua reverberando hoje.
No aspecto histórico-cultural, a principal contribuição que Tropicália traz é observar com uma grande angular o diálogo que se estabelece em diversas frentes artísticas. É muito mais gostoso colocar Meteorango Kid ao lado de Nosferatu no Brasil e traçar conversas com o hibridismo pop-rock-clássico da parceria Mutantes/Rogério Duprat. Colocar a música para conversar com o cinema faz um bem danado a este documentário.
Esta constatação leva ao segundo grande aspecto de Tropicália: as imagens de arquivo. No assunto, o ano de 1967 é fundamental e vem justamente do III Festival da Canção promovido pela TV Record (no momento em que a televisão aberta se prestava a algo) boa parte das imagens que conhecemos especialmente de Caetano e Gil naquele momento.
O documentário de Machado nos leva um passo além. Claro, estão lá a performance de Gil de Domingo no Parque ou os berros de Caetano em É Proibido Proibir (“se vocês forem tão caretas na política como são em estética nós estamos feitos”). Mas vemos também imagens raríssimas do bundalelê numa ilha inglesa, ensaios de Jards Macalé, Caetano e Gil em Londres e por aí vai. Talvez por isso o crédito de coprodutores internacionais sejam tantos, tamanha a diversidade de fontes de imagem.
O terceiro aspecto que é preciso ressaltar em Tropicália é seu talento não só de se mostrar como um mosaico daquele momento, mas também formar, com outros documentários recentes, ele mesmo um mosaico que amplia a compreensão da riqueza musical assim como de sua cegueira para o cenário barra pesada que viria a se instalar com o AI-5.
Como narrativa cinematográfica, vejo este filme assumindo mais riscos do que Uma Noite em 67. Mesmo assim, não é preciso negar um para afirmar o outro. Uns preferem a teleobjetiva, como Loki – Arnaldo Baptista; outros, uma lente com campo de visão um pouco maior, casos de Uma Noite em 67 e Fabricando Tom Zé; tem também os que falam do Tropicalismo sem necessariamente colocá-lo no centro, como Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei; vale registrar os que vem na esteira do tencionamento comportamental, como Dzi Croquettes.
Tropicália é o mais amplo e o que melhor consegue articular esse mosaico, buscando a compreensão dialética das artes.
Heitor Augusto
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